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Capitã da seleção de vôlei, Gabi prevê Olimpíada ‘das mais difícieis’ e fala de evolução: ‘Tenho que estar explosiva’

A tranquilidade tipicamente mineira na fala contrasta com a intensidade de Gabi Guimarães em quadra. Capitã da seleção brasileira e agora em seu terceiro ciclo olímpico, a ponteira é um dos destaques da equipe que disputa a primeira fase da Liga das Nações, no Rio, num momento em que deixa para trás um ciclo de cinco anos no voleibol da Turquia (no Vakifbank), rumo à Itália.

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No cenário internacional, se projetou como uma das principais jogadoras do mundo e diz ter “virado a chave: “Por ser uma jogadora baixa (1,80m) , dependo muito da minha parte física, tenho que estar explosiva o tempo inteiro, ter agilidade no passe. Dependo muito do físico para ter um alto rendimento, consegui entender isso”, disse Gabi, que prevê ainda uma Olimpíada “das mais difíceis” em Paris.

Ela conversou com o GLOBO e refletiu sobre carreira, sacrifícios e objetivos da seleção. Neste domingo, dia em que completa 30 anos, ela estará em quadra contra a a atual campeã mundial Sérvia, às 10h, na despedida da capital fluminense. O Brasil venceu todas as partidas até aqui, contra Canadá (3 sets a 1), Coreia do Sul (3 a 0) e Estados Unidos (3 a 1). Gabi soma 49 pontos na competição.

Como foi voltar ao Rio, agora pela Liga das Nações?

Tivemos três semanas de preparação. No Maracanãzinho, apenas um um dia de reconhecimento do ginásio, assim como todas as outras equipes, mas foi importante. Esse ano, tivemos a possibilidade de reunir praticamente o grupo todo com um tempinho anterior (em período de treinos em Saquarema). Faz uma diferença muito grande jogar essa primeira etapa no Brasil, não precisar viajar. No ano passado, a primeira etapa foi logo no Japão. Vejo o time muito motivado, a gente sabe que vai ser uma temporada muito difícil. Temos um grande objetivo, que são os Jogos Olímpicos, mas estamos muito focadas. Vamos usar a Liga das Nações (VNL), claro, como preparação, mas também queremos dar um passo e conquistar uma grande competição. A VNL é um grande passo, e a gente quer conquistá-la.

O ambiente do Maracanãzinho faz diferença?

Particularmente, gosto muito, tenho uma identificação muito grande com o Rio de Janeiro. Joguei seis temporadas aqui no início da minha carreira, quando eu jogava no Rio de Janeiro (Vôlei Clube) com o Bernardinho. Fico muito feliz de ter a oportunidade de voltar para cá, realmente a torcida brasileira faz a diferença. A gente conseguiu sentir isso em Brasília, também. O pessoal veio, nos empurrou. Queremos aproveitar o máximo possível da torcida brasileira, e a gente sabe que os adversários também sentem um pouco o ginásio gritando, a torcida pega um pouquinho no pé e nos empurra nos momentos que a gente precisa.

Você vive mais um momento de transição na carreira (Gabi deixou o Vakifbank em abril). Como foram os cinco anos no vôlei turco e a despedida?

Foi uma virada de chave muito grande ter jogado fora de casa, fora do Brasil. Foi um planejamento que eu fiz. Depois da Rio-2016, acabei não jogando, tendo tantas oportunidades como titular, mas participei daquele ciclo e realmente virou a chave na minha cabeça da importância que é figurar no cenário internacional, estar perto das grandes jogadoras, sair da zona de conforto. Senti que ainda precisava amadurecer algumas coisas na carreira e sabia que era um passo importante. Muitas das meninas daquela geração conversaram comigo, muitas que já tinham jogado fora do Brasil, e disseram que realmente foi um passo muito grande nas carreiras delas. Então, eu tive esse planejamento. Saí do Rio, joguei um ano no Minas e fui pro Vakifbank com 25 anos. Foram cinco temporadas totalmente fora da minha zona de conforto, longe da minha família, dos meus amigos, tendo que me provar a todo momento.

O que mudou?

Aqui no Brasil já era reconhecida, tinha o meu espaço. Fora de casa é completamente diferente, a cobrança é diferente, então amadureci muito. Não só no lado profissional, mas na minha vida pessoal. Acabei me autoconhecendo muito mais, entendi o que a Gabi realmente precisava profissionalmente para dar um passo maior na carreira, para realmente conseguir figurar entre as melhores jogadoras do mundo na minha posição.

Tive a oportunidade de trabalhar com o Giovanni Guidetti (técnico do Vakifbank) durante muitos anos, jogar com e contra grandes jogadoras. Senti que tive um salto muito grande, mas principalmente porque mudei a minha alimentação, mudei minha recuperação, meus horários, incluí diversas coisas no meu dia a dia, nos meus hábitos, que fizeram uma diferença muito grande.

Quais são os passos para o futuro?

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Encerro esse ciclo de cinco anos e foi um pouco dolorido, sofrido, tenho uma identificação muito grande com o projeto, com a torcida. Mas agora dou um passo muito importante na carreira, vou para a Itália com esse mesmo pensamento de sair da zona de conforto para mais um desafio, jogar em uma das melhores ligas do mundo. Estou preparada, sempre gostei muito de buscar novos desafios e colocar a régua cada vez mais acima. Principalmente no momento que estou vivendo agora, participando de mais um ciclo olímpico pensando nos Jogos de Paris. Esses cinco anos foram importantíssimos, tive oportunidade de me tornar capitã no Vakifbank e aqui também na seleção. As coisas têm acontecido naturalmente. Todo esse autoconhecimento que eu tive nas cinco temporadas tem me ajudado nesse processo.

Hoje você é capitã da seleção. Como exerce esse papel de liderança?

Tem sido muito natural para mim. É claro que pensando 11 atrás, quando eu ingressei na seleção, não tinha esse pensamento que algum dia poderia me tornar capitã. Mas tive grandes referências de líderes, não só de capitãs com a faixa, mas de lideranças muito fortes dentro dos grupos. No Vakifbank também, mas principalmente aqui na seleção brasileira. Grandes exemplos de disciplina, de comprometimento, do dia a dia, da alimentação, do descanso. Essa mentalidade vencedora. E é isso que tento fazer, sempre foi muito natural ajudar, tentar liderar de uma certa maneira, mesmo não sendo capitã anteriormente.

Minha maior preocupação é, primeiro, ser um exemplo para elas. Para que elas entendam qual é o caminho ser seguido. O mais importante é conseguir ajudá-las a performar melhor, que o grupo tenha essa mentalidade vencedora, entender qual é objetivo desse ciclo, que é conquistar uma grande competição, nos tornarmos campeãs olímpicas. Trabalhamos para isso.

O vôlei exige mais do que há cinco anos atrás?

Acho que tem exigido cada vez mais. O calendário para jogadoras que vão até o final das competições de clubes emenda praticamente com a seleção, é um pouco ingrato. A gente tem a sorte aqui, principalmente, da comissão técnica, do José Roberto (Guimarães, técnico da seleção), de eles terem esse entendimento de dar o período que a gente precisa de recuperação, de descanso. Trabalhando com cada uma dentro das suas prioridades.

A minha mentalidade também foi de mudar, de trazer uma consciência maior de disciplina, de entendimento do meu corpo, muito também pelo desgaste nesses últimos 11 anos de seleção e clube que praticamente tenho emendado, com poucas folgas. Principalmente por ser uma jogada baixa (1,80m). Dependo muito da minha parte física, tenho que estar explosiva o tempo inteiro, ter agilidade no passe. Dependo muito físico para ter um alto rendimento, consegui entender isso. Essa disciplina do que realmente focar, descansar o máximo que eu posso e realmente abdicar de momentos de festa, de estar com família, com amigos, de viagens, é sempre 110% pensando em vôlei.

O Zé Roberto falou em dificuldade de renovação no vôlei brasileiro, principalmente de levantadoras, mas também na sua posição. Você vê isso?

É sempre difícil esse processo de renovação. Sai uma geração, algumas jogadoras se aposentam, outras não. No caso das levantadoras, por exemplo, temos a Roberta e a Macris jogando em alto nível durante muitos anos, é uma posição em que você consegue jogar até um pouco mais velha. Acho que tem aparecido grandes jogadoras. O que a Aninha (Ana Cristina) tem jogado, o que a Júlia (Bergmann) tem mostrado. A Helena, que foi convidada e acabou sendo convocada também. Eu acho que é um processo natural. A gente tem que ter paciência, primeiramente, de dar oportunidade para essas meninas rodarem. Elas vão ganhando essa bagagem. Pudemos perceber isso com a Júlia e com a Ana Cristina, que participou do último ciclo. Não jogou tanto, mas participou. A importância que foi ela ter ido para Tóquio com a gente, participado nesses últimos anos.

A Juju, a mesma coisa. A Helena vai passar naturalmente também por esse processo. Foi o processo que eu passei, tive a oportunidade de participar do ciclo de 2016. Não tive tantas oportunidades, mas foi importante estar com o grupo, ganhar experiência, ter esses grandes exemplos, referências. Graças a Deus, a comissão técnica é muito competente e consegue desenvolver esses talentos de uma forma incrível. Não tenho dúvidas que vão aparecer naturalmente.

O que espera dos Jogos de Paris?

Acho que são dos Jogos Olímpicos mais difíceis. Tem muitas equipes que se configuram como as grandes favoritas. Agora, com o sistema diferente de classificação, não tem mais equipes bobas, vamos dizer assim, não tem times fracos. Principalmente com a formulação de grupos, com o chaveamento, cada jogo é muito importante, uma final. A chance de ter uma zebra é maior ainda. Acho que figuram pelo menos oito seleções com chances diretas de conquistar a medalha. É por isso que o nosso foco tem sido muito grande, primeiramente, no que nós temos que fazer. A preparação mental, física, tática. Já provamos por A e B que temos condições de brigar com as grandes seleções, mas a gente ainda precisa dar um passo. Queremos conquistar grandes competições. Nosso objetivo é esse, acreditamos muito, vamos para cima e queremos bater de frente.

Em 2022, muita gente não nos cotava como favoritas e fizemos as finais da VNL e do Mundial. Sabemos que estamos preparadas, mas precisamos dar esse passo. Essa é a nossa busca diária, melhorar as partes física, mental e tática. O mais importante é que o grupo está fechado e a nossa mentalidade é que queremos ganhar tudo esse ano.

A caminho dos 30 anos (Gabi faz aniversário neste domingo), qual a principal memória da carreira até aqui?

O momento mais marcante para mim, a primeira grande lembrança, foi minha primeira final de Superliga, em 2012. Jogava no Rio de Janeiro, foi contra o Osasco no Ibirapuera. Foi minha primeira final como titular e a gente conquistou aquele título numa virada sensacional de 3 a 2. Foi naquele momento que eu desabrochei. Lembro da sensação, o ginásio lotado. Por ter sido o meu primeiro grande título, foi um momento muito especial.