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Morre o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, após queda de helicóptero

Foi confirmada, nesta segunda-feira, a morte do presidente do Irã, o ultraconservador Ebrahim Raisi, aos 63 anos, após a queda de um dos três helicópteros de seu comboio presidencial, no domingo. Raisi era presidente da República Islâmica desde junho de 2021, sucedendo ao moderado Hassan Rouhani após uma vitória que pôs todas as instituições políticas importantes do país sob o controle da chamada linha dura do regime.

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O helicóptero que transportava o presidente caiu em uma parte remota do país, de acordo com a mídia estatal iraniana, pondo em marcha uma grande operação de busca e resgate em meio ao mau tempo e neblina espessa. Mais cedo, a agência de notícias oficial IRNA havia afirmado que a aeronave havia feito um “pouso forçado”, mas posteriormente uma autoridade reconheceu à agência Reuters que a vida de Raisi estava “em risco” após a “queda” em uma região de montanha perto da fronteira com o Azerbaijão.

A morte de Raisi foi oficialmente comunicada pelo vice-presidente Mohsen Mansouri, em postagens nas redes sociais. Mokhber liderou uma reunião de gabinete de emergência, após a notícia da localização dos destroços do helicóptero, segundo publicou o “Guardian”.

Em um comunicado, o governo estendeu suas condolências ao líder supremo Ali Khamenei e à nação iraniana e disse que continuaria a operar “sem interrupções”, de acordo com a Press TV. O gabinete do presidente também elogiou Raisi como um líder “trabalhador e incansável” que serviu ao povo do Irã para ajudar a avançar e progredir o país: “Cumpriu sua promessa e sacrificou sua vida pela nação”, diz o comunicado, que afirma, ainda, que “não haverá a menor perturbação” na administração do Irã após o acidente mortal.

O ministro das Relações Exteriores iraniano, Hossein Amirabdollahian; o governador da província do Azerbaijão Oriental, Malek Rahmati; e o representante do líder supremo do Irã no Azerbaijão Oriental, o aiatolá Mohammad Ali Ale-Hashem, também estavam com outras cinco pessoas na aeronave, uma de três que viajavam em um comboio presidencial — as outras aterrissaram sem problemas em Tabriz, nordeste do Irã.

Tudo indica que o mau tempo causou o acidente, que ocorre poucos dias depois de autoridades graduadas americanas e iranianas terem mantido conversações por meio de intermediários para tentar conter a ameaça de um conflito mais amplo no Oriente Médio. O Departamento de Estado dos EUA disse que acompanhava de perto os relatórios sobre o acidente, e a Casa Branca afirmou que o presidente Joe Biden foi informado.

Quem era Raisi

Acusado por muitos iranianos e ativistas de direitos humanos de ter um papel em execuções em massa de prisioneiros políticos nos anos de 1980, Raisi nasceu em 1960 em Mashhad — segunda maior cidade do Irã, na região nordeste, e lar do santuário xiita mais sagrado do país — e perdeu o pai, que era clérigo, quando tinha apenas cinco anos.

Aos 15, Raisi, seguiu os passos do genitor e entrou em um seminário na cidade sagrada de Qom. Enquanto era estudante, participou de protestos contra o Xá apoiado pelo Ocidente, que acabou por ser deposto em 1979 na Revolução Islâmica liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, depois da qual ingressou no Judiciário e ascendeu cedo a cargos importantes enquanto era treinado pelo aiatolá Ali Khamenei, que se tornou presidente do Irã em 1981.

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‘Comitê da Morte’

Com apenas 20 anos, foi nomeado procurador-geral de Karaj, que fica perto da capital, Teerã. Aos 25 anos, tornou-se vice-procurador-geral de Teerã. Enquanto esteve nesse posto, atuou como um dos quatro juízes que participaram de tribunais secretos criados em 1988, que passaram a ser conhecidos como “Comitê da Morte”.

Essas cortes “julgaram novamente” milhares de prisioneiros que já cumpriam penas de prisão pelas suas atividades políticas. A maioria era composta por membros do grupo de oposição de esquerda Mujahedin-e Khalq (MEK), também conhecido como Organização Popular Mujahedin do Irã (PMOI).

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O número exato dos que foram condenados à morte pelos tribunais não é conhecido, mas grupos de direitos humanos afirmaram que cerca de 5 mil homens e mulheres foram executados e enterrados em valas comuns não identificadas, o que constituiu um crime contra a Humanidade.

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Os líderes da República Islâmica não negam que as execuções tenham acontecido, mas não discutem detalhes e a legalidade de cada caso. Embora tenha repetidamente negado seu papel nas sentenças de morte, Raisi também disse que foram justificadas por causa de uma fatwa, ou decisão religiosa, do ex-líder supremo aiatolá Khomeini.

Há cinco anos, uma fita de áudio de uma reunião em 1988 entre Raisi, vários outros membros do Judiciário e o então vice-líder supremo, aiatolá Hossein Ali Montazeri (1922-2009), vazou. Nele, Montazeri descreve as execuções como “o maior crime da História da República Islâmica”. Um ano depois, Montazeri perdeu sua posição como sucessor designado de Khomeini, e o aiatolá Khamenei tornou-se o líder supremo após a morte de Khomeini.

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Entre 1989 e 1994, Raisi exerceu a função de procurador-geral de Teerã, depois foi chefe da Organização da Inspetoria do Estado e vice-chefe da Autoridade Judiciária entre 2004 e 2014, quando foi nomeado procurador-geral nacional.

Dois anos depois, o aiatolá Khamenei o nomeou guardião de uma das fundações religiosas mais importantes e ricas do Irã, a Astan-e Quds-e Razavi. Ela administra o santuário do oitavo Imã Reza xiita em Mashad, bem como todas as várias instituições de caridade e organizações afiliadas a ele. Segundo os EUA, possui vastas participações econômicas na construção, agricultura, energia, telecomunicações e serviços financeiros.

Em 2017, Raisi surpreendeu os observadores ao candidatar-se à Presidência. Rouhani, porém, conquistou um segundo mandato com uma vitória esmagadora no primeiro turno das eleições, com 57% dos votos. Raisi, que se apresentou como um combatente anticorrupção, mas foi acusado pelo presidente de fazer pouco para combater a corrupção como vice-chefe do Judiciário, ficou em segundo lugar, com 38%.

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A derrota não manchou a imagem de Raisi e, em 2019, o aiatolá Khamenei o nomeou para a poderosa chefia do Judiciário, cargo que ocupou até ser eleito presidente — o cargo de presidente é a segunda posição mais poderosa do Irã, abaixo apenas da do líder supremo, que toma as decisões finais sobre política externa ou grandes temas nacionais.

Na semana seguinte à sua nomeação ao Judiciário, foi também eleito vice-presidente da Assembleia de Peritos, o órgão clerical de 88 membros responsável pela eleição do próximo Líder Supremo.

Como chefe do Judiciário, Raisi implementou reformas que levaram a uma redução no número de pessoas condenadas à morte e executadas por crimes relacionados a drogas. No entanto, o Irã continuou a matar mais pessoas do que qualquer outro país, com exceção da China.

Também continuou trabalhando com os serviços de segurança para reprimir a dissidência e processar muitos iranianos com dupla nacionalidade ou residência permanente no estrangeiro sob acusações de espionagem.

Sanções dos EUA

Em 2019, o então presidente dos EUA, Donald Trump, impôs sanções a Raisi por seu histórico de direitos humanos. Ele foi acusado de ser responsável pela supervisão administrativa da execução de indivíduos que eram menores na época de seus supostos crimes e de estar envolvido na repressão violenta dos protestos do oposicionista Movimento Verde após as contestadas eleições presidenciais de 2009.

Quando Raisi anunciou sua candidatura às eleições presidenciais de 2021, declarou que tinha “subido ao palco como independente para fazer mudanças na gestão executiva do país e para combater a pobreza, a corrupção, a humilhação e a discriminação”.

A eleição foi posteriormente ofuscada quando o Conselho Guardião de linha dura desqualificou vários candidatos moderados e reformistas proeminentes. Dissidentes e alguns reformistas instaram os eleitores a boicotar a votação, queixando-se de que o processo tinha sido arquitetado para garantir que Raisi não enfrentasse nenhuma concorrência séria.

Ele obteve uma vitória esmagadora, obtendo 62% dos votos no primeiro turno. No entanto, a participação foi pouco inferior a 49% — um recorde negativo para uma eleição presidencial desde a revolução de 1979.

Pouco se sabe sobre a vida privada de Raisi, exceto que sua esposa, Jamileh, leciona na Universidade Shahid Beheshti, em Teerã, e que eles têm duas filhas adultas. Seu sogro é o aiatolá Ahmad Alamolhoda, o líder linha-dura das orações de sexta-feira em Mashhad.