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Irmã de aventureiro de 'Na Natureza Selvagem' defende remoção de ônibus do Alasca

BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – Enquanto as imagens do ônibus verde e branco, marcado pelas décadas na neve do Alasca e levantado por um helicóptero, percorriam o mundo na última sexta-feira (19), Carine McCandless, 48, tentava digerir o choque da notícia.
Apelidado de “Magic Bus” (ônibus mágico), o veículo dos anos 1940 se tornou um ícone para turistas do mundo todo graças à história do irmão mais velho dela, Christopher, que morreu de inanição no local em 1992. A história dele foi contada no livro “Na Natureza Selvagem” (Companhia das Letras), de Jon Krakauer, e adaptada para o cinema por Sean Penn.
Nem Carine nem a família foram informados previamente sobre a decisão da remoção do ônibus. Rumores sobre tirá-lo da trilha de Stampede, próxima ao Parque Nacional Denali, já circulavam havia alguns anos. Depois da remoção, a comissária do Departamento de Recursos Naturais do Alasca contatou Carine por telefone.
“Apesar de estar triste pela notícia, a decisão do DRN do Alasca tem boas intenções visando a segurança pública e, certamente, era uma decisão que cabia a eles. O ônibus 142 não pertencia ao Chris e não pertence à família dele. Sobre aqueles que seguem a caminhada até o local onde ele ficava, no fim das contas, a jornada deles não era sobre um ônibus”, escreveu ela em mensagem enviada à reportagem.
A decisão foi justificada pelas autoridades pelo fato de o local, que virou uma espécie de rota de peregrinação, ter se tornado um risco para visitantes. Entre 2009 e 2017, foram realizadas 15 buscas e resgates de pessoas que estavam a caminho do ônibus.
Desde 2010, duas mulheres se afogaram tentando chegar ao veículo. Em abril deste ano, um brasileiro foi resgatado de helicóptero em um ponto próximo.
Carine fez a trilha até o ônibus pela primeira vez em 2014, mais de 20 anos depois da morte do irmão, logo depois de enviar à editora o último capítulo de seu livro “The Wild Truth” (a verdade selvagem, em tradução livre). Ela já havia estado no lugar outras vezes, mas sempre de helicóptero.
A primeira ida foi acompanhada por Krakauer. “Foi muito emocionante, talvez a mais emocionante, porque eu fui com Jon e, para mim, ele me lembra quem Chris poderia ter se tornado”, diz ela.
Acostumada a fazer trilhas com o irmão na infância, para o trajeto a pé, ela contatou moradores locais e partiu em um grupo de 11 pessoas, no mês de maio, quando as condições climáticas são de menor risco. Os guias, diz ela, sabiam em que pontos poderiam avançar e onde deveriam recuar.
Em frente ao ônibus desgastado, ela posou para uma foto com a palavra “truth” (verdade) escrita com pedras. O irmão costumava dizer que era da verdade que vinham as melhores lições, o que a levou a escrever o livro que completa lacunas sobre ele e a vida da família antes e depois de sua jornada até o Alasca.
Recém-formado na Universidade de Emory, em 1990, Christopher doou todo o dinheiro de sua conta no banco, abandonou o carro e partiu para uma jornada nômade de cerca de dois anos, pelos Estados Unidos, que terminaria na estadia de 114 dias no ônibus, onde morreu de fome. A suspeita é que uma planta ingerida por ele tenha colaborado para o processo.
A história foi contada em uma reportagem de Jon Krakauer – segundo ele, esse foi seu trabalho que gerou mais reações negativas. “Algumas pessoas veem um idiota, outras veem a si mesmas. Eu sou do segundo grupo, com certeza.”
O livro do jornalista, que reúne relatos de pessoas que conheceram Christopher, virou best-seller e leitura obrigatória em várias escolas nos EUA. Mas Carine precisou de tempo para aceitar convites para conversas com estudantes sobre a história da própria família, que envolvia conflitos, vida dupla do pai entre dois casamentos e episódios de violência doméstica.
“Desde então, não deixei uma escola sem que algum aluno se aproximasse para falar sobre questões com as quais eles estavam lidando internamente. Quando vi o impacto que tinha neles entender melhor o Chris, foi por isso que escrevi o livro”, conta. A obra dela também é adotada em algumas escolas.
Segundo Carine, que também participa de eventos para vítimas de violência doméstica, quando as pessoas a conhecem, passam a entender seu irmão como uma pessoa comum, além do ícone que virou referência literária.
“Você aprende mais de humanos do que de ícones. Escrever sobre minha infância, a experiência que eu e Chris tivemos com nossos pais, não é para fazer deles vilões, eles são humanos. Têm pontos bons e têm pontos em que erraram, como todos nós. O importante é aprender a partir destes erros”, afirma.
Antes de ser usado por Christopher, o ônibus serviu ao transporte público da cidade de Fairbanks e depois foi comprado por uma companhia de construção para abrigar operários durante as obras de uma estrada. Ele foi abandonado na trilha em 1961.
Segundo a comissária de Recursos Naturais do Alasca, Corri Feige, o veículo está guardado em um local seguro, e as opções para o futuro dele ainda estão sendo avaliadas.

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