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Zuza Homem de Mello contou sobre tentativas frustradas de conversar com Ray Charles

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em texto publicado na Ilustríssima em 2018, o jornalista e pesquisador da música brasileira Zuza Homem de Mello, que morreu na madrugada deste domingo (4), contou sobre suas tentativas frustradas de conversar com o músico americano Ray Charles.

Depois de assisti-lo ao vivo no início da carreira no Carnegie Hall, em Nova York, em 1957 -quando abriu uma noite de shows que incluiu Chet Baker, John Coltrane e Billie Holiday-, Zuza esteve perto do cantor em algumas ocasiões nos Estados Unidos e no Brasil.

A primeira aconteceu poucos meses depois daquela apresentação de 29 de novembro. Zuza estagiava como técnico de som no estúdio Atlantic Records, e o engenheiro de gravação, Tom Dowd, recebeu o pianista.

“Senti um calafrio ao vê-lo de perto. Brotava uma energia, um poder enorme daquele músico negro que só enxergava escuridão. Jamais eu havia experimentado sensação de tamanha intensidade magnética”, narrou.

A menos de dois metros de distância dele, Charles foi embora sem que Zuza conseguisse abordá-lo para falar de sua admiração.

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Anos depois, em 1986, o segundo desencontro -Ray Charles veio para o brasil para tocar na segunda edição do Free Jazz Festival, em São Paulo, no qual Zuza trabalhava como curador e estava certo de que conseguiria trocar algumas palavras com o pianista.

“Eu e a produtora Monique Gardenberg corremos para a entrada de artistas do Anhembi assim que recebemos o aviso: Ray Charles está chegando. De repente, lá vem ele de sobretudo. Foi rápido: passou pertinho da gente, sua aura imantava a todos, emoção indescritível. Mais uma vez, vi Ray Charles de perto, mas nenhuma palavra foi possível.”

Na última visita do músico ao Brasil, em 1997, na série Dupont Basic Sounds, Zuza trabalhou como diretor artístico e acompanharia o show em Brasília, logo depois da apresentação de São Paulo. Na sala de embarque do aeroporto, deparou-se com Ray Charles sozinho, sentado com seu sobretudo de pelo de camelo e uma cadeira livre ao seu lado. Planejou em sua a cabeça todo o discurso que faria em sua melhor oportunidade.

“Vou começar dizendo que estava no Carnegie Hall e agradecer pelo bem que ele faz para a humanidade’, pensei. Sentei-me ao seu lado enquanto ele folheava um caderno de partituras em braile. E ali permaneci, ao lado do gênio sagrado da música, por mais de 20 minutos. Paralisado, não consegui falar. Nem uma palavra com Ray Charles.”