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Ministério não consegue pagar agência antidoping e pede mais verba

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ministério da Cidadania fez um pedido de crédito adicional em seu orçamento para quitar a taxa anual com a Wada (Agência Mundial Antidoping), órgão que coordena o combate ao uso de substâncias ilícitas no esporte.

A Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), subordinada ao ministério que no governo de Jair Bolsonaro assumiu a gestão do esporte, transferiu à Wada US$ 240 mil (R$ 1,3 milhão) neste ano, mas ainda precisará pagar US$ 156 mil (R$ 842 mil) até o dia 31 de dezembro.

Os dados estão publicados em um relatório da agência internacional.

A pasta da Cidadania aponta como justificativa para o pedido de crédito as consequências econômicas da pandemia da Covid-19 e a desvalorização do real ante ao dólar.

“Por conta da pandemia de Covid-19 e do impacto na economia mundial, com reflexo na desvalorização da moeda brasileira frente à moeda norte-americana, a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem realizou o pagamento parcial da anuidade junto à Agência Mundial Antidopagem (Wada)”, afirmou o ministério. “A ABCD está em contínuo diálogo com a Wada, e a parcela restante será quitada após a liberação de créditos adicionais no orçamento.”

Em 2018 e 2019, o governo federal liquidou a sua contribuição durante o primeiro semestre. No ano passado, de acordo o Portal da Transparência, o Ministério da Cidadania emitiu ordem bancária à Wada de R$ 1,4 milhão em 12 de junho, dia em que o dólar fechou a R$ 3,84, para saldar a taxa de US$ 367 mil.

Apesar da inflação e da depreciação cambial, o orçamento da ABCD é menor neste ano do que nos anteriores: caiu de R$ 6,7 milhões para R$ 6,4 milhões.

O pedido de crédito adicional precisa passar pelo Ministério da Economia e pela Casa Civil antes de ir ao Congresso. Se aprovada pelos parlamentares, a proposta precisará ser sancionada por Bolsonaro.

A inadimplência, segundo especialistas no tema ouvidos pela reportagem, pode arranhar a imagem do país nas esferas esportivas internacionais e resultar na exclusão do Brasil de assentos importantes da entidade.

“Representantes de governo de um país que não pagou o devido, ou cujo país não aderiu à Convenção Internacional da Unesco sobre Doping no Esporte, não serão elegíveis para fazer parte do Conselho da Fundação ou do Comitê Executivo”, diz a Wada ao tratar do tema.

Não há previsão de sanções esportivas, como exclusão de atletas brasileiros de competições, por exemplo. A ABCD tampouco poderá ser descredenciada, como ocorreu em novembro de 2016, porque o Brasil demorou para implantar o seu tribunal de justiça desportiva antidopagem –o órgão nacional só voltou a ter chancela da Wada em abril de 2017.

Nesse período, os exames feitos no país perderam a validade internacional.

“A consequência de uma inadimplência será a perda de poder político na Wada, uma vez que brasileiros não poderão concorrer aos cargos em conselhos da associação, e os que já tomaram posse deverão perdê-lo, algo indesejável para qualquer país”, diz o advogado Marcelo Franklin, especialista na defesa de atletas pegos no doping. “Mas não acredito que a ABCD chegará a esse extremo, ainda mais porque já fez parte do pagamento deste ano.”

Para o advogado Wladimyr Camargos, professor de direito internacional da Universidade Federal de Goiás (UFG), a inadimplência fere regras e princípios do direito internacional e abala a imagem externa do Brasil, uma vez que a contribuição para a Wada foi assumida em um tratado internacional, na Convenção Internacional contra o Doping, realizada em outubro de 2005, em Paris.

“A relação do estado brasileiro com a Wada é de dependência, principalmente quanto à manutenção de laboratórios credenciados. Isso por si já revela como é complicado para o país se manter inadimplente frente as obrigações que assumiu em um tratado internacional e ratificado em território nacional” afirmou Camargos. O decreto 6.653/2008 promulgou no Brasil o texto da convenção.

Países de todos os continentes bancam metade do orçamento da Wada, com sede no Canadá. O bolo é dividido por continentes: Europa (47,5%), América (29%), Ásia (20,5%), Oceania (2,5%) e África (0,5%).

Entre os vizinhos da América do Sul, Argentina (US$ 160 mil), Chile (US$ 53,4 mil), Colômbia (US$ 41,8 mil), Equador (US$ 10,3 mil) e Paraguai (US$ 6,1 mil) já liquidaram a sua contribuição deste ano.

Além do Brasil, Peru e Uruguai têm um pequeno saldo em aberto, respectivamente de US$ 1,5 mil e US$ 27. Bolívia (US$ 4,3 mil) e Venezuela (US$ 102,6 mil) não realizaram nenhuma transferência até o momento, segundo o relatório da Wada.

Na América, os Estados Unidos pagam metade de toda a contribuição do continente, de US$ 2,7 milhões, e o Canadá, 25% (US$ 1,3 milhão).

A dificuldade para quitar pagamentos a organizações internacionais não é um caso específico do esporte dentro do governo Bolsonaro.

O Ministério das Relações Exteriores tem enfrentado percalços para conseguir crédito adicional e honrar pagamentos com a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA), Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), Mercosul e OMC (Organização Mundial do Comércio), entre outros.

No último dia 4, em articulação do ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), o Congresso negou o pedido de uma verba extra de R$ 1,2 bilhão para que o Itamaraty honrasse os compromissos. A verba foi repassada para a pasta de Marinho.

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