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Alagoas é onde mais se passa fome no país; veja a situação em cada estado

SÃO PAULO, SP, E MACEIÓ, AL (FOLHAPRESS) – Alagoas é o estado em que há maior proporção de pessoas passando fome no Brasil. No estado de origem do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que indicou mais de R$ 300 milhões em emendas parlamentares do chamado orçamento secreto, nos últimos dois anos, 36,7% das pessoas não têm acesso a alimentos em quantidade suficiente.

A proporção de alagoanos famintos é duas vezes a média nacional (15,5%), de acordo com dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, que divulgou informações sobre segurança alimentar por estado nesta quarta-feira (14).

Em 2018, 5,8% dos brasileiros passavam fome. Em 2020, essa parcela subiu para 9% e, em 2022, chegou aos atuais 15,5%, que representam 33 milhões de brasileiros. Hoje, a fome ronda 1 a cada 3 famílias brasileiras com crianças de até dez anos.

No ranking da fome, a insegurança alimentar grave de Alagoas é seguida daquela do Piauí (34,3%), Amapá (32%), Pará (30%), Sergipe (30%) e Maranhão (29,9%).

No outro extremo, bem abaixo da média nacional de famintos, estão Santa Catarina (4,6%), Minas Gerais (8,2%), Espírito Santo (8,2%), Paraná (8,6%) e Mato Grosso do Sul (9,4%).

“Os resultados refletem as desigualdades regionais e evidenciam diferenças substanciais entre os estados de cada macrorregião do país”, aponta Renato Maluf, coordenador da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), responsável pela pesquisa, executada pelo Instituto Vox Populi.

O dado sobre Alagoas revela grande vulnerabilidade de um estado cujos representantes políticos ocuparam, na história recente, a presidência da Câmara e do Senado (caso do senador Renan Calheiros). A representação dos interesses dos alagoanos nos postos mais altos do Legislativo, no entanto, não se converteu em garantia de comida no prato, seja pela dinâmica econômica ou por meio de assistência social. Alagoas também é o berço político do ex-presidente Fernando Collor.

Valquíria Alfredo dos Santos, 23, segurava a filha Qemilli, 1, quando aceitou receber a reportagem em sua casa em Maceió. Mãe de mais duas meninas, de 5 e 7 anos, ela havia pulado o café da manhã e recebido uma doação de almoço para seguir o dia. E não tinha mistura (carne vermelha, peixe ou frango) para o jantar.

A casa de Valquíria não tem banheiro. A família faz as necessidades fisiológicas em sacolas e descarta à distância, ainda dentro da comunidade Vila Emater 2, que surgiu no entorno do antigo lixão de Maceió.

“Eu nunca tive trabalho com [registro em] carteira. Meu esposo, sim, mas hoje ele vive de ‘bicos’ como catador. Aqui na geladeira nós só temos água e um pote de manteiga que pegamos na rua”, conta ela.

O sonho de Valquíria é poder dar uma vida melhor para as três filhas, “ter um almoço e um jantar” para recebê-las. “Mas estamos mandando currículos e ninguém nunca chamou.”

O temor dela é que a bebê viva a sua história, que ela já repete da mãe, a catadora Célia Maria dos Santos, 49. Célia havia tomado café da manhã na cooperativa em que trabalha, mas voltava para o expediente sem almoçar. É a rotina de domingo a domingo, ela diz, recebendo um salário mínimo. Célia vive com o companheiro, Carlos Alexandre, e tem dez filhos e 27 netos.

Rosali Alexandre de Souza, 47, sofreu com as fortes chuvas que atingiram Alagoas e outros estados do Nordeste – o barraco em que morava caiu e não há dinheiro para levantar uma nova estrutura. A visita da Folha foi intermediada pela Casa Tuca, uma das ONGs que distribuem cestas básicas e doações.

“Não existe carne de boi para a gente. Ainda é possível comer frango, mas é mais salsicha, esse tipo de coisa. Não dá para comprar uma carne melhor. O pessoal pegava muito as ossadas”, conta Rosali.

Ao andar pelas ruas de Maceió, é possível encontrar pessoas exibindo placas em que pedem ajuda e reclamam da fome.

A quase 12 quilômetros da Vila Emater 2, a comunidade conhecida como Alto da Alegria recebia nesta quarta-feira uma ação do projeto Amigos da Sopa. Lá, Lucineide de Moraes Nascimento, 57, havia deixado de tomar o café da manhã em prol da família. Diabética e com pressão alta, ela teve de ser hospitalizada recentemente porque suas taxas estavam altas.

“Ainda hoje o ‘velho’ [marido] foi vender umas latinhas, ganhou um dinheirinho e compramos dois quilos de salsicha para ter uma mistura no almoço, para a comida das crianças. É isso o que tem na geladeira, um restinho de arroz e a salsicha que a gente comprou.”

O estudo realizou entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos nos 26 estados e no Distrito Federal. A Segurança Alimentar e a Insegurança Alimentar foram medidas pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), também utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segurança alimentar é a situação em que há acesso pleno e estável a alimentos em qualidade e quantidade adequados.

Já a insegurança é dividida em três categorias: leve (quando o temor de faltar comida leva a família a restringir a qualidade dos alimentos), moderada (sem qualidade, há alimentos em quantidade insuficiente para todos) e grave (quando ninguém acessa alimentos em quantidade suficiente e se passa fome).

Segundo os novos dados divulgados, as populações do Norte e do Nordeste são as que mais passam fome no país, proporcionalmente, enquanto, em números absolutos, a região Sudeste, por ser mais populosa, é aquela que mais concentra pessoas famintas. Em São Paulo, são 6,8 milhões de pessoas com fome. No Rio, 2,7 milhões não têm comida suficiente.

De acordo com a primeira etapa da pesquisa, divulgada em junho, 1 a cada 3 brasileiros já fez alguma coisa que lhe causou vergonha, tristeza ou constrangimento para conseguir alimento.

Em relação à segurança alimentar, enquanto a média brasileira é de 41,3% da população com alimentos em quantidade e qualidade adequados, 8 dos 9 estados do Nordeste ficaram abaixo desta marca, sendo o Ceará (18,2%) o caso mais distante. Apenas o Rio Grande do Norte (51,2%) superou a média nacional.

No Sudeste, todos os estados ficaram acima da média, sendo o Espírito Santo (61%) o campeão da segurança alimentar.

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