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Entenda como pequenos clubes são importantes para a gigante França, finalista da Copa do Mundo

Na véspera do jogo das oitavas de final contra a Polônia, a seleção francesa reuniu 23 dos seus 26 jogadores inscritos na Copa do Mundo para uma foto posada que foi uma homenagem às suas origens e agradecimento. Cada um deles vestia a camisa do time onde havia começado a jogar futebol. Chamou a atenção o fato de nenhum deles aparecer com um uniforme de clube da primeira divisão, mas sim de desconhecidos como Bondy, Hellemmes e Mâconnais. Não estavam na foto os machucados Benzema e Lucas Hernández nem o meia Guendouzi, cria do PSG e que, hoje no rival Olympique, preferiu não participar.

Vinte e quatro anos depois do seu primeiro título mundial, a França está a uma partida de conquistar sua terceira estrela. Uma história bem-sucedida, com participação em quatro finais nas últimas sete edições da Copa. A explicação para esse protagonismo passa pelos primeiros passos de seus jogadores nas categorias de base.

Há duas forças atuantes nessa formação. Uma delas, a do mercado, é muito parecida com a que age no futebol brasileiro. Os garotos são formados com a lógica da exportação para os clubes mais ricos da Europa. Com a vantagem de terem o visto de comunitários e de prescindirem de adaptação a outro continente, eles se tornaram os mais valorizados do planeta: em 2021, pela primeira vez desde 2012, quando a Fifa iniciou o levantamento, os atletas franceses movimentaram mais dinheiro em transferências que os brasileiros.

— Vender jogadores está no DNA do nosso futebol — afirmou a empresária de atletas Jennifer Mendelewitsch, da agência Supernova. — Esse é o motivo de estarem jogando cada vez mais novos no time profissional, o que traz um amadurecimento muito rápido para eles.

Mas essa lógica acarreta também prejuízos. Assim como no Brasil, existe uma percepção de que a formação no país privilegia jovens que possam atuar em posições onde a demanda do mercado é maior — zagueiros, volantes e atacantes pelo lado. Enquanto isso, faltam novos meias, jogadores capazes de pensar o jogo. Não é à toa o fato de Griezmann, aos 31 anos, ter se transformado em um jogador de criação na seleção que disputa hoje a final contra a Argentina.

E é aí que vem a segunda força que dá as diretrizes para a formação dos jogadores: a Federação Francesa de Futebol. Ela tenta incentivar a permanência de atletas por mais tempo em seus clubes menores, a maioria deles amadores. O objetivo é equilibrar o desejo comercial com o esportivo e garantir que novas gerações de talentos possam suprir a seleção principal. Há o estímulo para que os jogadores sejam submetidos a um regime profissional de formação somente a partir dos 14 anos.

Diferentemente do que foi promovido pelas escolas espanhola e alemã, que alcançaram o topo do futebol nas últimas décadas graças à lapidação de talentos voltada para um estilo de jogo bem definido, a França vai em outra direção, sem uma escola claramente estabelecida.

Nela, os clubes menores são considerados parte fundamental do desenvolvimento dos atletas. Em vez de sofrerem a ação predatória dos grandes, existe um trabalho em conjunto, em que os donos das grandes camisas francesas monitoram os talentos que despontam nos subúrbios das grandes cidades, como Paris, Marselha e Lyon.

— O lugar que mais forma jogadores em todo Hemisfério Norte é Paris e seus arredores. Lá, os garotos estão desde muito cedo habituados às situações de pressão, em que precisam ser mentalmente fortes — afirma o jornalista e filósofo Thibauld Leplat, autor dos livros “La magie du football” e “Football à la Française”.

— Acredito que, numa Copa do Mundo, a pressão seja imensa e, paradoxalmente, o aspecto tático entre as equipes se iguala. Assim, o estilo de jogo acaba ficando secundário. O que importa mais é a disponibilidade mental, emocional e cognitiva.

Como 17 dos seus 26 jogadores convocados têm 26 anos ou menos, a França pode ser campeã já com uma base montada para o próximo Mundial, em 2026. E assim a roda vai girando com farta renovação de qualidade e sem dar sinais de decadência. Na última reunião técnica da Fifa antes do término da Copa do Catar, o treinador Arsène Wenger, tricampeão inglês pelo Arsenal, opinou sobre o que acredita ser uma nova realidade do futebol. Algo do qual os “Bleus” podem se beneficiar no futuro:

— Estamos vendo que o esporte mudou. Há cada vez mais atletas jovens atuando em alto nível na primeira Copa de suas carreiras e, ao mesmo tempo, temos jogadores como Modric, Giroud e Messi sendo destaques com uma idade mais avançada. O tempo de vida do jogador de alto rendimento está aumentando.

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