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Atuação de militares na diplomacia causa mal-estar, e Planalto busca freio de arrumação

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A atuação das Forças Armadas na política externa brasileira, com organização de eventos e treinamentos militares com países aliados, tem gerado ruídos com o Itamaraty e assessores do presidente Lula (PT).

As principais queixas são feitas à autonomia com que os militares têm feito a diplomacia, que estaria apartada das diretrizes de política externa definidas pelo governo petista. Assessores do presidente e ministros afirmaram à reportagem, sob reserva, que as Forças Armadas mantêm uma visão de que o Brasil está alinhado à Otan, a aliança militar do Ocidente, enquanto Lula finca posição com foco no princípio de neutralidade no conflito entre Rússia e Ucrânia e na aproximação com a China.

A crítica é antiga, mas só foi verbalizada ao ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, no último dia 22.

O assunto era o convite que o chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército, general Estevam Theophilo, fez a 34 países para participarem do 1º Seminário Internacional de Doutrina Militar Terrestre, entre os quais os EUA. A China, de onde Lula voltou em abril, não havia sido convidada para o evento.

Teophilo é considerado um dos mais bolsonaristas dos generais do Alto-Comando do Exército. Segundo seus pares, ele sempre esposou as ideias do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um crítico contumaz da China. Na Força, intercâmbios com oficiais chineses sempre foram comuns.

Múcio recebeu do presidente a missão de impor um freio de arrumação e obrigar o Exército a convidar os chineses para o seminário, cujo enfoque, segundo o general Marcelo Carvalho, um dos organizadores do evento, é “verificar as tendências de ameaças em médio e longo prazos, sinalizando possíveis soluções para se contrapor a essas ameaças”. O ministro encaminhou a ordem ao comandante do Exército, general Tomás Paiva, que a repassou para Theophilo —o convite então foi feito ao adido militar da China no Brasil.

Generais do Exército consultados pela reportagem afirmam que não há descompasso entre as Forças Armadas e os palácios do Itamaraty e do Planalto. Defendem que os militares naturalmente devem ter contato com adidos de nações aliadas e que os ruídos sejam evitados por meio de uma comunicação mais afinada.

Eles citam, por exemplo, a presença de cinco representantes das Forças Armadas para o Simpósio de Altos Oficiais da América Latina e do Caribe, realizado na Universidade de Defesa Nacional do Exército de Libertação Popular da China, em Pequim —participam do evento dois representantes do Ministério da Defesa e um de cada Força, após tratativas com o Ministério de Relações Exteriores.

Outro argumento seria a chegada de uma delegação de 20 militares da China a Brasília, na terça, para uma série de reuniões. Os chineses desembarcaram na capital uma semana após a general Laura Richardson, chefe do Comando Sul dos EUA, visitar autoridades e fechar acordos com a Força Terrestre brasileira.

Em nota, o Exército disse “manter contato institucional com Exércitos de nações amigas por intermédio de adidos militares estrangeiros”, enquanto “contatos com o Itamaraty se dão pelo Ministério da Defesa”.

Múcio é próximo de Celso Amorim, assessor especial da Presidência em assuntos internacionais —ambos são considerados os poucos da “velha guarda” que seguem próximos de Lula. À reportagem Amorim negou que haja um mal-estar do Planalto com as Forças Armadas devido a desacertos na política externa. “Os canais de contato são fluídos”, disse, em referência às conversas que mantêm com o chefe da Defesa.

Porém, além da exclusão da China do seminário, há outros pontos defendidos pelas Forças Armadas que vêm sendo criticados por membros do governo, como a realização do Exercício Combinado de Rotação e Operações (Core, na sigla em inglês), operação dos Exércitos de Brasil e EUA que ocorre anualmente desde 2021, após as Forças de ambos os países acordarem um aumento da cooperação militar.

Na semana entre os dias 15 e 19 de maio, uma delegação de militares do Exército americano viajou à Amazônia para inspecionar as instalações que farão parte do exercício deste ano, e assessores palacianos temem que esse intercâmbio possa sinalizar um alinhamento do Brasil aos EUA.

As posições também foram conflitantes quando a Ucrânia solicitou ao Brasil, em 27 de abril, autorização para exportar até 450 veículos blindados Guarani. Eles seriam usados nas versões de transporte e ambulância para auxiliar na “retirada de civis em zona conflagrada”, de acordo com ofício enviado pelo adido de Defesa da Ucrânia, coronel Volodimir Savtchenko, a Múcio. A possibilidade de exportar os blindados animou militares do Exército, já que a venda poderia aquecer a indústria de defesa brasileira.

Além da questão econômica, seria uma sinalização alinhada à Otan e em sintonia com parceiros do Brasil na produção de equipamentos de Defesa, como Suécia e Alemanha, que apoiam Kiev contra a Rússia.

“Solicitamos vossa autorização para que sejam negociados os referidos veículos, que serão comprados por meio de fundos especiais de países amigos que compreendem e compartilham nossa necessidade imediata e dor”, destacou o coronel ucraniano no ofício. A exportação, porém, foi vetada pelo governo Lula.

Outro desconforto se deu no veto do presidente ao envio de munições do Brasil para tanques de guerra ucranianos, em janeiro. O pedido havia sido feito pela Alemanha, que, após a negativa, acabou embargando a exportação de 28 blindados fabricados em solo brasileiro para as Filipinas. A retaliação foi possível porque parte do material do blindado é fabricado na Alemanha, e o país comunicou ao Brasil que os componentes de origem germânica não poderiam ser vendidos a terceiros sem sua autorização.

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