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Como a ópera ‘La Fanciulla del West’, de Puccini, antecipou cinema de faroeste

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O barulho das máquinas de costura é constante no ateliê do Theatro Municipal de São Paulo. A poucos dias da estreia de “La Fanciulla del West”, ou a garota do oeste, ópera de Giacomo Puccini com libreto de Guelfo Civinini e Carlo Zangarini pela primeira vez produzida por uma companhia brasileira, as costureiras dão os ajustes finais nas roupas com cara de velho oeste das dezenas de cantores que estarão em cena.

Ambientada durante a corrida do ouro na Califórnia, a montagem da ópera do compositor italiano autor de “Madame Butterfly” tem figurino assinado por Ronaldo Fraga. Para dar uma cor local à produção, mas ainda assim situar o público nos rincões empoeirados dos Estados Unidos, o estilista mineiro deu banhos de terra em cada uma das peças, deixando tudo em tons de marrom.

“É um universo hostil, com muito minério. O nosso desafio foi humanizar este contexto”, afirma Fraga. Nas montagens da ópera no exterior, conta o estilista, os 40 mineiros em cena vestiam uniformes de uma só cor, em geral preto ou azul, de modo que ficavam uma massa igual no palco. Para a produção brasileira, sua preocupação foi individualizar os cantores com o vestuário, mesmo que de maneira sutil.

No caso do traje de uma personagem indígena, Fraga não quis caracterizá-la como nativa dos Estados Unidos, de acordo com o texto original, mas, sim, como uma representante dos povos originários da América Latina. Ele materializou sua ideia num vestido de patchwork colorido com textura ao toque e aos olhos do público.

Baseado na peça melodramática “The Girl of the Golden West”, ou a garota do oeste dourado, escrita pelo dramaturgo americano David Belasco, “La Fanciulla del West” estreou em 1910 na Metropolitan Opera, em Nova York. No Brasil, ela foi encenada cinco anos mais tarde, também no Theatro Municipal de São Paulo, por uma companhia lírica estrangeira.

Dividido em três atos, o enredo gira em torno de Minnie —interpretada por Martina Serafin e Daniela Tabernig em dias diferentes—, uma heroína dona de um bar numa cidade montanhosa durante a corrida do ouro, onde ensina os mineiros a ler a Bíblia e escrever. Há, é claro, uma disputa pelo coração da moça, cujo papel na trama é meio de mulher dona de seu desejo, meio de mãe que cuida dos mineiros. “Todos querem ela como mulher porque ela é valente, bonita e vigorosa”, afirma Carla Camurati, a diretora de cena.

A ópera é considerada uma precursora do cinema de faroeste que Hollywood passaria a filmar a partir da década de 1930. Mas Camurati não se ocupou apenas de reproduzir o cenário original do espetáculo —ela deu um toque anos 1980 ao “saloon” onde a ação se passa. Além de um bar todo de madeira, o espectador vê duas máquinas de fliperama e luminosos em neon, como a cabeça de um touro, um cacto, um dry martini e a palavra bar.

Apesar das referências mais contemporâneas, Camurati afirma não ter situado sua montagem num período específico, acrescentando que ela flutua em algum lugar do passado e, assim como em filmes de faroeste como “Um Lugar ao Sol”, o espectador não sabe em que ano a ação se passa —o texto original do dramaturgo data a história entre 1849 e 1850.

Uma das peculiaridades da ópera é seu andamento cinematográfico, diz a diretora. Isto significa uma agilidade na música que se reflete nas cenas, incluindo algumas pausas de silêncio em que a orquestra para de tocar e a plateia só ouve as vozes dos mineiros enquanto eles jogam carta. Ela destaca ainda a participação intensa do coro masculino e a presença de 14 solistas, dentre os quais a soprano argentina Daniela Tabernig, que se apresenta no Brasil pela primeira vez.

“A ópera tem o dobro de ação do que tem de música, os personagens todos são muito ativos. Puccini brinca com a música de uma maneira tão especial, fazendo climas, efeitos especiais. Não é só o ‘bel canto’, aliás tem pouco do que a gente conhece de uma ópera nesse sentido. É uma viagem musical para quem gosta de ópera”, afirma Camurati. A direção musical é de Roberto Mincuzk, maestro titular da Orquestra Sinfônica Municipal.

“La Fanciulla del West” foi uma produção tardia de Puccini, aclamada por ter incorporado complexidade rítmica na forma operística italiana. O espetáculo tem uma ária para tenor comum em repertórios clássicos, “Ch’ella Mi Creda Libero e Lontano”, cantada pelo personagem do bandido, Dick Johnson, na qual ele pede para a turba que o executa para não contar à sua amada, Minnie, que ele foi morto. A peça será interpretada pelos tenores Enrique Bravo e Gustavo Manzitti em datas diferentes.

Mesmo que Puccini não tenha visitado a Califórnia antes de compor “La Fanciulla del West”, ele viu uma encenação do texto de David Belasco quando esteve em Nova York anos antes da estreia da ópera na mesma cidade, e também já tinha familiaridade com o autor, de quem já tinha adaptado para os palcos “Madame Butterfly”. Segundo texto no site da Metropolitan Opera, a plateia aplaudiu vigorosamente a estreia de “La Fanciulla del West”, mas parte da crítica se disse insatisfeita, apontando que a produção não capturava a essência do oeste americano. De todo modo, o próprio Puccini considerava a ópera a melhor que escreveu.

Para Camurati, bastante conhecida por seu filme “Carlota Joaquina”, longa-metragem que marcou a retomada do cinema brasileiro nos anos 1990, dirigir uma ópera e um filme são desafios completamente distintos. A ópera, ela diz, é um espetáculo aberto onde acontece uma química ao vivo entre as muitas pessoas envolvidas, enquanto na sétima arte é possível controlar muito mais o resultado final, dado que as cenas são gravadas, cortadas e editadas antes de chegarem ao público. Camurati já dirigiu outras óperas anteriormente.

O caráter coletivo de uma montagem lírica também é destacado por Fraga, o estilista. Segundo ele, embora o desenvolvimento de uma história que se quer contar pelas roupas seja a mesma de quando prepara um desfile, o figurino operístico acaba sendo uma criação a várias mãos, porque seus croquis são discutidos pela diretora antes de serem executados e, por fim, vestidos pelos cantores e cantoras, que precisam se sentir confortáveis nas roupas. “Para mim a ópera é aqui dentro”, ele diz, apontando para o ateliê de costura.

LA FANCIULLA DEL WEST

Quando 14, 18, 19 e 21 de julho, às 20h; 15, 16 e 22 de julho, às 17h

Onde Theatro Municipal de São Paulo – pça. Ramos de Azevedo, s/n, São Paulo

Preço R$ 12 a R$ 158

Link: https://theatromunicipal.org.br/pt-br/evento/operalafanciulladelwestgiacomopuccini/

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