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‘Caminhos do Brasil’: Empresas aguardam regulamentação da Reforma Tributária

A Reforma Tributária já sinaliza ganhos de produtividade para o Brasil, que ainda teve sua nota de crédito elevada pelas agências de classificação de risco — que citaram, em sua decisão, a aprovação da mudança no sistema tributário. Agora, as empresas aguardam o andamento da regulamentação da reforma para tomar decisões sobre investimentos. O movimento acontece em meio às preocupações sobre as novas regras para regimes específicos e sobre qual será a carga tributária que incidirá sobre cada setor da economia.

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A conclusão é de Ana Paula Vescovi, diretora de Macroeconomia do Banco Santander, e de Heleno Torres, advogado e professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP, durante o evento “Caminhos do Brasil”, uma realização dos jornais O GLOBO e Valor Econômico e da rádio CBN, com patrocínio do Sistema Comércio através da CNC, do Sesc, do Senac e de suas federações.

Participaram ainda o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da Reforma Tributária na Câmara, e Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda. O evento teve mediação dos jornalistas Thiago Bronzatto, diretor da sucursal do GLOBO em Brasília, e Fernando Exmann, chefe da Redação do Valor em Brasília.

— O processo de decisão de investimento ainda está muito heterogêneo, mas há um ponto comum entre os setores, que é: se eu puder esperar para ter um pouco mais de clareza sobre como vamos terminar esse processo de regulamentação, eu vou esperar — disse Ana Paula, que já foi secretária do Tesouro Nacional. — Então, tem algum processo de adiamento, na medida em que isso seja possível dentro das empresas e da sua estratégia de investimentos.

Ela explicou que a indústria, por exemplo, tem uma expectativa de redução da carga tributária com a implementação da reforma, enquanto o setor de serviços espera uma majoração. Há, ainda, os setores que serão abarcados pelas regras de regulamentação de regimes específicos, que também aguardam os próximos passos.

Eliminar dúvidas

Torres citou o exemplo do agronegócio, cujos produtos vão para a cesta básica, que terá alíquota zero:

— Quando isso aparece na Constituição, isso é também equivalente a uma imunidade tributária. E há uma regra expressa que diz que, nos casos de imunidade ou de isenção, não se toma crédito, e isso não gera crédito para a operação seguinte. Você imagina o produtor rural ser surpreendido em não tomar crédito das operações passadas e não gerar crédito se aquele produto for para uma indústria como insumo.

O especialista ressaltou que ainda não se pode dizer que esses casos não darão direito a ressarcimento, mas será preciso aguardar o texto da lei complementar “para sabermos o que vai ser considerado como de uso e consumo.”

A expectativa de Appy é enviar a regulamentação ao Congresso até meados de abril.

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Sobre a questão dos créditos, Appy disse que a regra geral será a da não cumulatividade plena, ou seja, os tributos pagos ao longo da cadeia vão gerar créditos, de forma que, na prática, a tributação recai apenas sobre o consumo final da mercadoria ou serviço. Mas ele admitiu que haverá exceções:

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— A regra geral é dar crédito. Comprou, veio tributado, dá crédito, no montante que vai estar discriminado na nota fiscal. Mas, como eu falei, há os regimes específicos que a gente tenta viabilizar o crédito, mas em alguns casos não é viável, mas serão exceções.

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Leandro Domingos, vice-presidente financeiro da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e líder do grupo de trabalho sobre a Reforma Tributária da entidade, destacou pontos que vêm sendo acompanhados de perto pelo setor:

— Setores e produtos com alíquotas reduzidas precisam ter uma garantia efetiva dessa redução e a possibilidade da tomada integral dos créditos. Setores com regimes diferenciados precisam da garantia de um novo cenário de tributação adequado às suas realidades. A reforma precisa ser colocada em prática observando a justiça tributária.

Relator da Reforma Tributária na Câmara, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), afirmou que a regulamentação será fundamental para reafirmar conceitos aprovados na emenda constitucional, que são os da não cumulatividade e do sistema transparente, que traga segurança jurídica:

— A legislação complementar tem que ir nessa direção para que não paire nenhum tipo de dúvida sobre esses princípios que são o fundamento da reforma — defendeu.

‘Placas tectônicas’

Outra preocupação dos debatedores foi em relação à possibilidade de litígio.

— A expectativa é que façamos os melhores textos, mas há potencial de choques de interpretação — explicou Torres, lembrando que estados e municípios terão de aprovar, depois da lei complementar federal, uma série de regulamentações internas. — A chance de haver descasamento desses processos é enorme, consequentemente, há possibilidade de surgir um contencioso judicial.

Ana Paula salientou que o período de transição entre o regime tributário antigo e o novo será o mais sensível e passível de questionamentos jurídicos:

— Estamos rearrumando placas tectônicas, setorial e regionalmente, então há um caráter de insegurança jurídica — disse a economista. — Mas estou confiante de que vamos colher frutos dessa reforma. Segurança jurídica é um dos elementos mais caros que precisamos construir no Brasil. Temos que construir um ambiente de negócios cada vez mais saudável.

O deputado Aguinaldo Ribeiro também reforçou a necessidade de a regulamentação observar a segurança jurídica para não haver pontos obscuros:

— O ideal é que pudéssemos construir uma legislação até autoaplicável, para que nós tenhamos bastante efetividade.

*Do Valor