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Governo promete alívio na conta de luz, mas especialistas têm dúvidas sobre proposta

O Ministério de Minas e Energia (MME) preparou uma Medida Provisória (MP) para usar os recursos da privatização da Eletrobras para reduzir a conta de luz, na média, em 3,5% neste ano, o que poderia praticamente anular reajustes já previstos. O texto também prorroga um desconto em tarifas para usinas de energia renovável, mas especialistas lançaram dúvidas sobre a eficácia da proposta.

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A MP aguarda aval da Casa Civil para ser publicada.

A ideia é usar os recursos de fundos criados com a privatização da estatal para pagar empréstimos tomados pelas distribuidoras de eletricidade, durante o auge da pandemia de Covid-19, em 2020, e a seca que baixou os reservatórios das hidrelétricas, entre 2021 e 2022.

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Esses financiamentos, coordenados pelo BNDES e concedidos por diversos bancos, têm o custo repassado aos consumidores, na conta de luz.

O texto que justifica a edição da MP ressalta que “a quitação dos empréstimos promoverá uma redução estrutural, em média, de 3,5% nas tarifas de todos os consumidores já em 2024, equivalente aos custos da tarifa social de energia elétrica e de universalização em 2023”.

De acordo com especialistas consultados pelo GLOBO, isso não significa que a conta de luz ficará mais barata, mas a redução poderá praticamente anular os reajustes previstos para este ano.

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Esses aumentos, autorizados todos os anos, ficarão entre 4,5% e 5% em 2024, dependendo da concessionária de eletricidade — cada empresa atua numa área geográfica do país —, estimou Edvaldo Santana, professor titular aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Governo antecipa

O ex-diretor da Aneel explicou que, atualmente, a Eletrobras paga um valor anual ao governo — uma parte dos recursos levantados na capitalização da empresa, numa oferta de ações na B3, em meados de 2022. Com a MP, haverá uma antecipação dessas parcelas anuais.

Segundo uma fonte do setor elétrico, que pediu o anonimato, o governo fará a antecipação, para depois receber os pagamentos parcelados da Eletrobras. Dessa forma, a companhia seguirá pagando exatamente da mesma forma — procurada, a empresa não comentou a medida.

A MP não define quanto poderá ser antecipado, mas, em fevereiro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que pretendia adiantar R$ 26 bilhões. Nos cálculos de Santana, o valor poderia ser de R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões.

Para permitir o alívio no preço da conta de luz, a MP mudará o destino dos recursos. Os valores da Eletrobras quitariam a “Conta Covid” e a “Conta Escassez Hídrica”, pelas quais os consumidores pagam, na conta de luz, os financiamentos tomados pelas distribuidoras de 2020 e 2022.

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— Na prática, em vez de o consumidor pagar esses encargos, quem vai pagar é o próprio governo através dessa antecipação. É uma queda representativa para o consumidor — afirmou Santana.

Segundo o advogado Tiago Figueiró, sócio das áreas de M&A (fusões e aquisições) e Energia do escritório Souto Correa Advogados, feita a realocação, fica a dúvida sobre como serão custeados os projetos que, inicialmente, receberiam esses valores, como estabelecido na lei que autorizou a privatização da Eletrobras, em 2022:

— A questão é saber como ficarão outros projetos que vão receber recursos da Eletrobras nos próximos anos, conforme acordado na privatização, como os investimentos previstos para a navegabilidade dos rios Tocantins e Madeira, além da integração do Rio São Francisco com outros rios.

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Em parte por isso, Clarice Ferraz, professora da Escola de Química da UFRJ e diretora do Instituto Ilumina, vê a nova MP como uma “maquiagem”, uma “manobra” para adiar problemas que levam ao aumento sistemático das tarifas no setor elétrico.

A professora comparou a proposta à MP 579, publicada pelo governo Dilma Rousseff em 2012, que impôs uma redução de tarifas ao setor elétrico com a renovação antecipada de concessões de usinas geradoras.

— A queda teve pouca duração e houve ainda um agravamento da crise do setor. Não se pode mais fazer dessa forma. O setor chegou a um esgotamento do seu modelo. Não se faz isso por MP ou por pedaços — disse a diretora do Instituto Ilumina, ressaltando que a antecipação poderá deixar outras despesas descobertas. — Essa MP não conversa com os projetos do governo.

A proposta do MME também procura aliviar as contas de luz no Amapá. Em novembro, a Aneel aprovou um reajuste de 44,41% na conta de luz da concessionária que no estado. A decisão acabou sendo suspensa pelo Judiciário e foi adiada em 45 dias pela própria agência em dezembro do ano passado.

Desconto prorrogado

Além disso, a MP trata das linhas de transmissão do Nordeste e estabelece um prazo adicional de 36 meses, para usinas de energia renovável, como eólica e solar, receberem desconto nas tarifas de uso da rede geral de transmissão de eletricidade.

Uma lei de 2021 determinou o fim gradativo desses descontos. Com a MP, as empresas terão mais três anos para construir usinas com a garantia de ter o desconto. Em contrapartida, deverão apresentar uma “garantia de fiel cumprimento”, no valor de 5% do empreendimento.

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Segundo a área técnica do MME, a prorrogação do desconto vai gerar R$ 165 bilhões em investimentos e mais de 400 mil empregos, mas Figueiró, do Souto Correa Advogados, ponderou que o prazo adicional poderá levar a mais encargos na conta de luz.

— É preciso fazer a conta para saber se isso pode, de certa forma, anular a antecipação dos recursos da Eletrobras na MP, já que quando uma empresa deixa de pagar os encargos, o custo é repartido pelos outros consumidores — disse Figueiró.

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