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Madonna no Rio: dos hits aos figurinos, veja como será cada detalhe do show em Copacabana

Copacabana, Princesinha do Mar, nunca mais será a mesma depois que a Rainha do Pop em sua praia chegar. Quem é essa garota que, aos 65 anos, chega ao Rio para celebrar sua fenomenal e incomparável trajetória de megaestrela pop?

Madonna Louise Veronica Ciccone esperou 40 anos para celebrar, na Cidade Maravilhosa, sua carreira fenomenal. Esperta, foi namorando o Brasil aos poucos, já subiu em nossas favelas, namorou um carioca chamado Jesus, já esteve no Cristo, assistiu ao desfile na Sapucaí, cantou no Maracanã, gravou funk com Anitta e curtiu se autoproclamar “piriguete”.

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Arrasa-quarteirão profissional, a cantora honrará cada fã brasileiro, sul-americano ou de qualquer parte do planeta que estiver preparado para viver mais de duas horas de um show que já foi visto por quase um milhão de pessoas e que rendeu R$ 1 bilhão aos cofres da chamada Material Girl.

Madonna não é fraca, não. Do alto de seus 1m61cm de altura, entrega muito mais que entretenimento, performance magistral, figurinos fenomenais, megahits e efeitos especiais. Ela nos conta a saga de uma bailarina do interior dos EUA, que perdeu a mãe aos 5 anos e, aos 20, deixou a família e Detroit para trás. Rumou para Nova York com apenas US$ 35 no bolso, uma mala de mão e o sonho de ser artista e famosa.

Parece lenda, e é. Quem na praia estiver ou assistir em qualquer tela, verá o triunfo de uma mulher com M maiúsculo, que quebrou paradigmas, derreteu tabus, ditou moda, libertou muita gente das amarras do preconceito, causou revolução cultural, sexual, musical e nos provocou para nos fazer pensar.

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Ela nos falou de religião por um novo prisma, de ter filho em produção independente, de adotar crianças africanas. Bateu no racismo, no machismo, na homofobia, travou batalhas contra fascistas, peitou o Vaticano. Tirou muita gente do armário e marchou pelos direitos de mulheres e gays, driblou o etarismo. Falou de aids, arte, moda, deu “o nome” e “a cara” para bater.

Quem estiver na “Copamadonna” deve se preparar para uma apresentação nada convencional, que não oferece canções com corinhos apelativos, dancinhas primárias, não tem músicos, músicas inteiras ou repertório linear. A Celebration Tour é uma ópera pop, um coquetel que joga no ventilador uma miríade de emoções e memórias da artista que recriou a linguagem teatral em megashows musicais.

Madonna não é óbvia. Não entrega nada fácil, testa a resistência e a paciência, comanda a plateia com rédeas curtas e mostra quem é a dona do pedaço com inteligência fora do comum. Quem quiser que entenda ou se jogue no mar.

‘It’s a Celebration!’

O show que encerra sua décima segunda turnê enfileira mais de 30 canções e, por mais de duas horas, não desfila apenas hits que frequentaram o topo das paradas mundiais, mas conta uma história em vários atos que percorrem desde o início dos magnéticos anos 1980 aos dias atuais, de metaversos e inteligências artificiais.

A epopéia começa com Bob The Drag Queen, mestre de cerimônia afrodescendente e gay, vestido de Maria Antonieta, em referência ao look que Madonna usou para apresentar “Vogue” no MTV Awards de 1990. De cara, já se entende que o concerto é quase inteiramente dedicado ao abraço da diversidade. Sua plateia é a igreja dos diferentes, dos rebeldes, dos transcendentais.

Madonna aparece no topo, vestida de quimono preto, sob um grande halo de luz que remete à auréola de santa, em sua cabeça uma coroa como a de Nossa Senhora. Ela abre os trabalhos cantando “Nothing really matters” que diz, “Nada realmente importa/ o amor é tudo que precisamos/ tudo que dou, volta para mim”. É emocionante, prepare-se para o arrepio.

A jornada “rebobina” a história até os anos 1980, quando frequentava as danceterias de Manhattan, onde entregou uma fita cassete ao DJ que a apresentaria à gravadora. Ela canta “Everybody” seu primeiro single, que puxou o primeiro álbum, “Madonna”.

Na sequência, dispara “Into the groove” a canção do primeiro filme que estrelou, “Procura-se Susan desesperadamente” (1985), se aproxima do público e pisa firme, como se dissesse: “agora vocês estão em minhas mãos”.

Ela canta um trecho a cappella de “Causing a commotion”, do filme “Quem é essa garota?”, chega para um primeiro momento de conversa com o público e toca na guitarra “Burning up”, a canção que cantou no icônico CBGB, celeiro de bandas de rock em Nova York, quando ainda fazia parte da banda Breakfast Club. Foi onde tudo começou.

Ao seu lado aparece, pela primeira vez no show, um clone dela mesma com uma máscara de látex como se encontrasse com seu passado. É quando Madonna finge tomar uma cervejinha, mas é água, tá? Ela joga a garrafa para a plateia.

A partir daí, ela manda “Open your heart”, senta-se na cadeira de cabaré que remete ao video da canção e à abertura da sua primeira turnê mundial de estádios, Who’s That Girl Tour (1987).

Agora ela tenta entrar na “boate”, seu primeiro habitat, onde queria ser vista, pegava geral e roubava cena na pista. É “Holiday”, um de seus maiores hinos, que embala uma coreografia de grupo das mais belas do show, sob uma grande disco ball.

Homenagens

Ao final, um dos bailarinos “morre”: é a chegada da aids, que levou muitos embora. Esse é um dos grandes momentos da apresentação: nos shows anteriores, Madonna foi içada sobre a plateia em uma caixa de luz, entre telões com imagens de falecidos famosos e desconhecidos, vítimas do HIV. Ela se emociona ao ver os rostos de amigos, como o artista Keith Haring, seu mentor Christopher Flynn, o dançarino Martin Burgoyne, o fotógrafo Herb Ritts, Freddie Mercury, entre centenas mais.

Não se sabe se o show na praia carioca permitirá o mesmo efeito aéreo visto nas arenas estrangeiras, mas, ao que parece, ela incluirá rostos brasileiros no telão, como o de Cazuza.

Madonna veste então uma túnica de monge, como usou na Blondie Ambition Tour, de 1991, entra em uma capela em forma de carrossel, onde bailarinos seminus dançam mascarados entre cruzes iluminadas, para cantar “Like a prayer”, a canção que causou furor quando exibiu um santo negro e cruzes em chamas em seu videoclipe.

Ao final, surge David Banda, um dos filhos de Madonna, representando o cantor Prince, que tocou guitarra naquele álbum na faixa título e em “Act of contriction”. É cinematográfico, o carrossel se apaga enquanto “bestas” dançam no primeiro interlúdio e final de mais um ato.

Ela só pensa naquilo

Agora vamos falar de sexo? O tema não poderia ficar de fora. Bob The Drag Queen aparece nos telões como uma atendente de telemarketing, vestida de “Dita”, o alterego que Madonna criou para o álbum “Erotica” e o livro “Sex”, onde despiu-se para tratar dos fetiches sexuais da Humanidade.

Ela entra em um ringue de boxe, onde homens lutam, e recupera a versão de “Erótica” cantada na “Confessions Tour”. Quem manda ali? A mulher, ela.

Então Madonna deixa os caras e vai deitar com seu clone, naquela mesma cama onde se masturbou ao cantar “Like a virgin”, na cena mais polêmica da “Blondie Ambition Tour”. Mas agora ela quer é dormir de conchinha.

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Logo “desperta” e cai em uma cena de amor grupal. “Justify my love” é outro belo número de dança, que forma mandalas com corpos nus. Ouve-se a famosa frase que finalizava o polêmico vídeo: “pobre é o homem cujos prazeres dependem da permissão dos outros”.

Chegou a hora de falar do amor entre mulheres. Madonna atende a ligação da cantora dominicana Tokischa: essa é a deixa para cantar “Hung up” cercada das bailarinas de seios de fora, e conclui um número com um beijo na boca de uma delas. Nada que já não tenha feito há décadas para chocar caretas.

Corta para sua filha Mercy James, tocando um tema clássico no piano de cauda. Ela se aproxima de camisola e um véu preto para entoar “Bad girl”, lindo momento de mãe e filha em cena.

Vamos de volta para o bas-fond, nas noites do gueto gay e marginal onde nasceu a dança surgida de dentro da cultura ballroom, feita de poses, contorções, caras e bocas, que ela sabiamente se apropriou e lançou no mainstream global: estamos falando de “Vogue”.

Ela ressurge belíssima, usando uma nova versão do corselet criado por Jean Paul Galtier em 1991. Estere, uma de suas filhas gêmeas, aparece como DJ de um ball, um concurso de talentos onde Madonna e um convidado dão notas a quem se apresenta na passarela.

Segundo rumores, Pablo Vittar será a convidada de honra para este momento da apresentação que se encerra com a filha Stella mandando ver no dancefloor. Prepare-se para ver bundas esculturais, bate cabelo e brincadeirinhas picantes.

Estamos falando de alegria e autoexpressão, nos telões imagens de passeatas e atos em defesa dos direitos e orgulho da comunidade LGBTQIA+.

Mas toda ode à liberdade atrai a opressão, e ela emenda “Human nature”, o tema que gravou para responder ao “cancelamento” midiático e social que sofreu após a fase erótica em 1993. Os “guardas” tentam prendê-la, mas ela se liberta e declara amor a si mesma cantando “Crazy for you” para seu clone.

Então ela acende um fósforo e, literalmente, põe fogo em cena. Nos telões, ela revive o momento da Re-invention Tour, de 2004, vestida como uma espécie de bruxa e entidade que sussurra trechos do apocalíptico livro das revelações em “The beast within”.

Aqui Madonna nos fala da expiação humana, inquisição, julgamento, perseguição e o atual cancelamento de quem ainda insiste em tentar combater os diferentes por intolerância religiosa.

Esse é um grande momento do balé, um interlúdio coreográfico com homens fardados, que nos faz pensar nas guerras religiosas.

Rodeio e família

Madonna retorna vestida de chapéu de cowboy e capa preta para cantar “Die another day” feita para a trilha de um filme de James Bond, da época em que estava muito envolvida com a cabala judaica. É um momento dark, intenso, mas belíssimo, um show de luzes e uma coreografia feita apenas com mãos e braços.

Cavalos surgem nos telões e vamos aqui honrar o fato de que, muito antes de Beyoncé cantar o Texas, Madonna já ostentava chapéu, cinto e fivela quando lançou o álbum “Music”, do qual canta a deliciosa “Don’t tell me”.

Ela então canta “Mother and father” para uma grande foto de sua mãe Madonna, de quem herdou o nome. A canção é um lamento e uma declaração que também se dirige ao pai, Silvio Ciconne, que é projetado ao lado dos pais biológicos de David Banda, seu primeiro filho adotado no Malawi.

A cantora mais uma vez volta a conversar com a plateia. Nesse set acústico em que toca violão, ela cantou o hino gay de Gloria Gaynor “I will survive”. É um belo momento em que todos ligam a lanterna do celular e a plateia vira uma constelação de estrelas. É possível que no show carioca ela apresente alguma surpresa, talvez outra canção. Quem sabe “Garota de Ipanema”, que já cantou no Maracanã em 1993. De toda maneira, esse é o momento “coração quentinho”, de troca com o público.

Aí vem “La isla bonita”, seguida de “Don’t cry for me Argentina”, referências do mundo latino que ela sempre cortejou e respeita, mesmo vestida de cowboy. Coisas de Madonna.

Durante a canção do musical “Evita”, ela exibe nos telões exemplos de homens e mulheres que lutaram por ideias: David Bowie, Angela Davis, Malcom X, Simone de Beauvoir, Che Guevara…

“No Fear!” Não tema! A frase aparece no telão, enquanto ela marcha enrolada na bandeira da diversidade, e é repetida pelo público. É Madonna e seu lado ativista. Imagens de protestos que mudaram rumos para os movimentos gay e antirracista são exibidas.

Aqui ela mesma se apresenta como vítima de críticas por ser quem é. O vídeo retrospectivo lembra que já ela já fez de tudo para nos fazer pensar e divertir, mostra ao que veio e que ainda resiste ao tempo. É mulher de coragem, resiliência, atitude e rebeldia, “I don’t search I find” do álbum Madame X, se mistura às imagens e ao final ela diz. “Envelhecer é pecado. A coisa mais controversa que já fiz é ainda estar por aqui”.

Festa eletrônica

Mas a festa ainda não acabou e, a essa altura, ela volta “eletrônica”, vestida de Donatella Versace, toda trabalhada em detalhes espelhados, canta “Bedtime stories” de Björk sobre um enorme cubo onde contracena com cenários virtuais.

Na sequência, ela voa novamente sobre a plateia que está próxima ao palco para cantar “Ray of light”, um show de luzes e cores. Ao aterrissar, veste uma capa preta e canta “Rain”, uma balada inesquecível que há muito tempo não tocava ao vivo, para delírio dos fãs.

Então uma enorme tela central exibe um dueto inédito de Madonna e Michael Jackson. As silhuetas duelam em um mashup de “Like a virgin” e “Billie Jean”. Nos telões, o rei e a rainha do pop aparecem circulando em LA em um carro dirigido por Madonna, um date improvável que antecedeu a ida da dupla à cerimônia do Oscar de 1991. MJ não viveu para ver esse momento, morreu aos 50, ela então segue honrando seu legado. Sem dúvida, um dos momentos mais belos do show.

O palco então é invadido por bailarinos travestidos de inúmeras versões de Madonna em clipes, shows, filmes e aparições públicas.

Por fim, em “Bitch I’m Madonna”, ela surge de pernas de fora com véu da virgem e os crucifixos do início da carreira e se despede ao som de “Celebration”.

Encontro histórico

Que louco. Ainda parece um tanto surreal Madonna encerrar essa turnê comemorativa de quatro décadas de serviços prestados ao entretenimento no Brasil, no Rio e na praia mais conhecida do planeta.

Pode ser que você não consiga vê-la de perto, que seja um sacrifício chegar e sair dali. Mas estar no maior show da carreira da maior performer feminina de todos os tempos é mesmo uma consagração da força do feminino.

Madonna viveu para contar, só nos resta celebrar.

Horacio Brandão é profissional do entretenimento, presidiu um fã-clube de Madonna nos anos 1980, trabalhou na vinda da cantora em 2008 e a assistiu ao vivo 24 vezes