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Bombardeado há quase cem anos, Campos Elíseos ‘revive’ velhos ataques

Bombardeado há quase cem anos, Campos Elíseos 'revive' velhos ataques.

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Bombardeado há quase cem anos, Campos Elíseos ‘revive’ velhos ataques. Parados na esquina da rua Helvétia com a alameda Cleveland, dois homens de terno e chapéu conversam. Estão em frente a uma casa com as vidraças quebradas, os beirais dependurados e uma pilha de tijolos soltos pelo chão. A poucos metros, ao lado de um bueiro destampado de onde a água transborda, a Guarda Civil Metropolitana fecha a via e empurra os usuários de drogas para outro lugar.

O bairro é Campos Elíseos, no centro de São Paulo. A rua é a mesma. Mas 95 anos separam os homens da esquina dos guardas metropolitanos.

Esse tempo parece se encurtar e se encontrar pela violência e pela conflagração que resistem nesse pedaço de São Paulo e que, a partir de sábado (26), estarão expostos na mostra “Sobre Ataque”, do Coletivo Garapa, na Casa da Imagem, na região central.

A surpresa da dupla está registrada em uma foto de 5 de julho de 1924, com a legenda “Efeito de uma bomba”, parte da mostra. Foi capturada pelo fotógrafo Gustavo Prugner, no primeiro dia da Revolução de 1924— movimento tenentista que durou mais de 20 dias e acabou sufocado pela reação do governo do presidente Arthur Bernardes.

Durante o levante, bairros como Campos Elíseos, onde estava a sede do governo paulista, Mooca, Brás e Cambuci ficaram no meio das bombas de ambos os lados.

A ação dos agentes públicos é deste ano e faz parte da rotina da região que quase um século depois passou a ser conhecida como cracolândia.

A exposição parte da fotografia do imóvel da rua Helvétia, número 2, para estabelecer a narrativa que se desenrola a partir dos eventos da revolta de 1924 contrapostos à tensão diária da cracolândia e do resto do bairro, com o recente avanço de desapropriações e deslocamentos de moradores.

O imóvel bombardeado em 1924 está bem no meio do que, desde a década de 1990, se convencionou chamar de “fluxo” —a concentração de usuários de drogas que diariamente obstrui a via.

Em maio deste ano, por exemplo, a poucos metros de onde Prugner registrou os efeitos da bomba, uma mulher foi morta com um tiro na cabeça em meio ao fluxo.

“É inevitável fazer essa ponte e imaginar que esse território tenha sido uma zona de conflito há quase cemanos”, diz o fotógrafo Rodrigo Marcondes, 39, que ao lado de Paulo Fehlauer, 37, é um dos coordenadores do Garapa e idealizadores da exposição.

As fotografias cedidas fazem parte do acervo do Instituto Moreira Salles, Fundação Energia e Saneamento e da própria Casa da Imagem, além de registros de fotojornalistas contemporâneos.

“Uma das coisas que a gente encontrou em arquivos de jornais é a [justificativa] da defesa da legalidade [para o bombardeio]. É uma questão para se refletir hoje”, diz Fehlauer. “Naquele momento, as tropas [da União] destruíram parte da cidade em nome da legalidade.”

Completam a exposição fotos da dupla, proveniente também do fotojornalismo. Uma série de registros de pequenas explosões produzidas pelos dois em meio ao território da cracolândia e imediações refletem as bombas reais e simbólicas que atingem a região e seus moradores mais vulneráveis.

Marcondes e Fehlauer dizem não ter tido problemas para fotografar no bairro. “Criamos uma conexão com as pessoas que transitam na região”, diz Marcondes. A dupla evitou, porém, revelar rostos de usuários em registro em meio ao fluxo, área em que câmeras fotográficas não são bem-vindas. “Procuramos não tratar de forma exploratória os limites, sem artifícios que se usam nessa região.”

Além da violência que une os dois períodos retratados no bairro, outra ponte que a exposição revela é o esquecimento. Assim como a região passou anos esquecida pelo poder público enquanto se degradava, a própria Revolução de 1924 é menos lembrada na história paulista do que, por exemplo, a Revolução Constitucionalista de 1932. Não por acaso é chamada de a revolução esquecida.

A revolta da década de 20 deixou 503 mortos, milhares de feridos, e forçou cerca de 250 mil pessoas a saíram da cidade em direção ao interior.

Autor de “São Paulo Deve Ser Destruída – A História do Bombardeio à Capital na Revolta de 1924” (Record, 280 páginas), o jornalista e historiador Moacir Assunção lembra que, além da Mooca, o bairro mais atingido durante o levante, Campos Elíseos era alvo estratégico dos revoltosos por abrigar, além da sede do governo, no Palácio dos Campos Elíseos, na avenida Rio Branco, o quartel da então chamada Força Pública em suas imediações.

“A ideia era derrubar o governo [do estado] e marchar para o Rio de Janeiro para depor o presidente Arthur Bernades”, diz Assunção.

Vencidos após cerca de 20 dias de conflito, os revoltosos saíram de São Paulo em direção ao interior e, de lá, juntaram-se à Coluna Prestes.

​SOB ATAQUE

Local: Casa da Imagem

Endereço: rua Roberto Simonse, 136 – centro

Horário: terça a domingo, das 9h às 17h

Período: de 26 de outubro a 15 de março de 2020

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