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Brasileiros estão minimizando risco, afirma diretora da OMS

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A pandemia do novo coronavírus obrigou a médica curitibana Mariângela Simão, 64, a traçar estratégias de combate à crise de sua casa, em Genebra (Suíça).
Diretora-assistente da OMS (Organização Mundial da Saúde) para a área de medicamentos e produtos de saúde, ela e colegas da cúpula da entidade não foram poupados de ter de trabalhar à distância, conforme orientação das autoridades locais.
“É irreal pensar que [a crise] vai acabar logo”, disse ela à Folha de S.Paulo, enquanto se preparava para participar de uma teleconferência com 50 pessoas nesta terça-feira (17).
Ex-integrante do programa da ONU para a Aids, ela está desde 2017 na cúpula da OMS. É hoje a brasileira mais graduada no esforço internacional de combate à Covid-19.
Simão concorda com a estratégia de isolamento adotada por diversos países, elogia a ação da China na crise e alerta, após ver fotos de praias lotadas no Rio de Janeiro, que o brasileiro deveria levar mais a sério a pandemia.

Pergunta – A sra. teve experiência no combate à Aids. É possível fazer alguma comparação com o momento atual?
MS – A forma de transmissão é muito diferente. Ninguém pega Aids apertando a mão ou dando beijo em alguém, tocando em superfície. As doenças respiratórias em geral são muito mais transmissíveis. O que é similar é que essa pandemia trouxe também bastante discriminação na fase inicial, especialmente contra asiáticos.

Alguma lição do combate à Aids pode ser usada contra o coronavírus?
MS – A Aids suscitou uma solidariedade global em termos de financiamento, mas isso veio apenas na década de 2000, enquanto o vírus já estava fazendo estragos no final da década de 1980. A situação atual teve um esforço coletivo para desenvolver vacina, houve uma solidariedade global. O mundo está muito diferente do que era.
O H1N1 também foi uma pandemia [em 2009]. A comoção é maior agora por ser mais grave mesmo ou pelo papel das redes sociais?”‚É uma conjunção de fatores. Os vírus da influenza estão circulando no mundo há muito tempo. Quando dá uma mutação você tem uma situação mais grave, como foi o H1N1. Esse de agora é um vírus totalmente novo. Ninguém tem imunidade, as pessoas suscetíveis são em número muito maior do que a gente jamais teve.

Qual o papel das redes sociais na crise?
MS – Fizemos um acordo com Google, Facebook e as grandes redes sociais para que, se você procurar informação sobre a Covid-19, os primeiros links que aparecem são da OMS. O conselho é que as pessoas chequem a informação antes de que a circulem por aí. Quando alguém fala em tratamento, por exemplo, cheque. Ainda que haja 200 ensaios clínicos sendo implementados, não existe conclusão sobre nenhum deles.

Como a OMS viu a resposta da China?
MS – A China deu um exemplo para o mundo. Tomou medidas como fazer um hospital em dez dias. Eles têm tecnologia, know how e uma forma de trabalho que é bastante interessante e não necessariamente replicável em outros lugares.

Mas houve também medidas repressivas.
MS – A questão da liberdade de expressão é um problema. Mas se você pegar as medidas mais drásticas, a Itália também tomou. Fechou o país inteiro, um país de 60 milhões de habitantes.
Você tem duas fases no enfrentamento da doença. Na de contenção, é testar caso suspeito, isolar e rastrear os contatos. Isso funciona razoavelmente bem até que haja transmissão comunitária. E você tem que criar condições para os que estão doentes tenham tratamento adequado.
É nesse ponto que a Europa está tendo dificuldades. Quando você tem uma doença em que 14% dos pacientes vão ser graves, e desses, 5% muito graves, não é uma doença banal.

Fechar fronteiras, dar quarentena, parar o país é a resposta correta?
MS – Sim. A medida é para espalhar a curva [de crescimento dos casos] ao longo do tempo até que você tenha uma vacina e um medicamento eficaz.

É importante fazer testes em massa?
MS – Não, porque não tem exames para a população toda. Você está jogando dinheiro fora. Tem que testar casos suspeitos e tomar medidas de rastreamento dos contatos.

Essa epidemia está relativamente concentrada no mundo rico. O que vai acontecer quando chegar com força na África e na América Latina?
MS – Ela está seguindo o rastro do hemisfério norte. Começou na China e foi para países em que havia maior relação de voos e trânsito. Em sistemas que não têm possibilidade de fazer vigilância epidemiológica apropriada, pode ser muito mais complicado.

Como a sra. tem visto o combate à doença no Brasil?
MS – Não pode minimizar. Eu tenho visto muito nas redes sociais, no Brasil, pessoas minimizarem o risco. Tenho visto um pouco de descaso no sentido de que só afeta pessoas acima de 65 anos. Não é verdade. O Brasil tem um Sistema Único de Saúde com estrutura de vigilância epidemiológica razoavelmente eficiente. Tem uma espinha dorsal para enfrentar uma situação mais grave.
O Ministério da Saúde fez recomendações que estão absolutamente alinhadas com o que a OMS preconiza. Os indivíduos que não seguem as recomendações é outra história. Vi essas fotografias do pessoal todo na praia, as pessoas não estão levando a sério essas recomendações.
Aqui na Suíça, se você vai na farmácia, tem marcas no chão para você ficar a 1,5 m de distância da pessoa na frente. Tem que levar a sério, não é brincadeira. Não é só uma questão sua, de você ter risco ou não de morrer ou ficar doente. É transmissão comunitária. Você ficando doente tem risco de infectar mais pessoas.

E o comportamento do presidente Bolsonaro, como a sra. viu?
MS – Essa é uma questão interna do Brasil. Como as pessoas adotam as recomendações é uma questão individual.

Quanto tempo até a pandemia se estabilizar e começar a declinar?
MS – Está muito no imponderável ainda. Na China, os casos começaram a diminuir depois de três meses, mas tendo em conta que a China fez um esforço massivo de contenção. É muito cedo, mas ela [a doença] ficará por algum tempo. É irreal pensar que vai acabar logo.

Qual a perspectiva de uma vacina?
MS – Há 20 candidatos a vacina em desenvolvimento. Mas vacina você não começa a desenvolver hoje e amanhã ela está no mercado. Uma vacina tem de ser testada, depois tem que ser segura e tem que ser acessível, com preços que os países não vão à falência para comprar. Não vamos ter antes de um ano.

E novos medicamentos?
MS – Tem uns 200 em pesquisa. Tem um que foi desenvolvido para o ebola, o remdesivir, e estão sendo feitos estudos para determinar se funciona, se é seguro. Há medicamentos antirretrovirais que estão sendo testados e também remédios mais antigos de malária. Deve-se ter algum resultado nos próximos meses.

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