Cotidiano

Em carta, técnicos do Inpe denunciam estrutura paralela de gestão e citam riscos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os dados de desmatamento e queimadas, monitorados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), estão na mira do Conselho da Amazônia, que criou uma estrutura no Ministério da Defesa para administrar informações sobre queimadas.
Enquanto isso, o Inpe passa por mudanças estruturais que, segundo duas cartas assinadas por pesquisadores da instituição, são “sérias e profundas, capazes de paralisação institucional e de inviabilizar o Inpe”.
Desde que Ricardo Galvão foi demitido no ano passado, o diretor interino, Darcton Damião, tem promovido mudanças na estrutura da gestão que contradizem o regimento interno do Inpe, criando uma “estrutura paralela, que opera, governa e decide sobre o Inpe, mas que não existe na regulação administrativa”, segundo uma das cartas.
Ocorrida nesta segunda-feira (13), a exoneração da coordenadora de Observação da Terra, Lúbia Vinhas, é parte de um processo de fusão dessa unidade de gestão com outras duas áreas: o Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) e o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC).
O atual coordenador do CPTEC, Gilvan Sampaio, deve assumir oficialmente a coordenação geral após a fusão, mas já responde informalmente pelas três áreas, segundo a reportagem apurou.
“A nova estrutura já está no gabinete do ministro da Ciência, Tecnologia e Informação [MCTI], aguardando para ser aprovada”, diz o coordenador do programa de monitoramento da Amazônia e demais biomas do Inpe, Cláudio Almeida.
No entanto, uma das carta dos pesquisadores afirma que essa seria só “a primeira fase de um projeto de transformação institucional”.
As duas cartas às quais a reportagem teve acesso se dirigem a membros do comitê de busca do novo diretor do instituto. Elas alertam para o favorecimento da candidatura de Damião (único com acesso a um novo regimento interno em aprovação no MCTI) e também defendem que a condição interina não deveria permitir alterações no regimento.
Outra preocupação dos pesquisadores é o caráter centralizador e controlador da nova estrutura. “Essa estrutura paralela de gestão incluiu a verticalização e unificação de comando aos moldes das estruturas militares, claramente na contramão das tendências atuais de pesquisas em redes colaborativas, com liberdade acadêmica e autonomia científica”, afirma uma das cartas.
“As mudanças não vão prejudicar em nada a produção de dados de monitoramento de desmatamento e queimadas, que continua sendo feita da mesma forma e com a mesma equipe”, diz o coordenador Cláudio Almeida.
No entanto, uma decisão do Conselho da Amazônia transfere ao Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia), órgão do Ministério da Defesa, a responsabilidade de gerir as informações sobre queimadas para embasar o trabalho do governo.
A reportagem apurou que o Censipam foi anunciado em uma reunião do Conselho da Amazônia como responsável pelo monitoramento de desmatamento e queimadas no bioma, no início de maio.
Na última sexta-feira (10), o órgão anunciou em nota em seu site que “desenvolve ferramenta para monitoramento de queimadas na Amazônia”.
Por telefone, a assessoria de imprensa do Censipam esclareceu que o trabalho não concorre com o monitoramento feito por satélite no Inpe, mas consiste na reunião de informações de diversos órgãos do governo, incluindo o Inpe, para produção de relatórios.
Ainda segundo a assessoria, os relatórios devem servir para embasar a ação do Conselho da Amazônia, a fiscalização ambiental feita pelas Forças Armadas e o trabalho do PrevFogo, órgão do Ibama de prevenção e combate a incêndios.
Servidores do PrevFogo ouvidos sob condição de anonimato negam que haja demanda para a nova ferramenta e afirmam que os dados fornecidos pelo Inpe já atendem às necessidades do órgão.
Segundo eles, a dificuldade para combater incêndios é outra: a falta de equipe e o atraso na contratação de brigadistas temporários, que não foi concluída até agora. A Medida Provisória 922, assinada em fevereiro, criou dificuldades para recontratação de brigadistas treinados.
Uma preocupação comum a servidores de diferentes órgãos envolvidos no monitoramento da Amazônia é que a centralização de informações facilite ao governo ‘maquiar’ a divulgação dos dados, que foram gatilho para crise das queimadas no ano passado e agora geram pressão de embaixadas europeias e investidores estrangeiros.
O Ministério da Defesa não respondeu as questões enviadas pela reportagem.
Segundo nota da Vice-Presidência da República, “o monitoramento de queimadas permanece a cargo do Inpe. O Censipam utiliza as informações coletadas, realiza a análise para fins de difusão de informações e acrescenta a possibilidade de integração com outras fontes de informação”.
A nota também afirma que “estão sendo visualizados novos sistemas de monitoramento remoto (radar) para otimizar a integração dos dados, ampliando-os”.

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