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Empresária relata desafios de criar evento referência em empreendedorismo negro

FOLHAPRESS – Os desafios de empreender sendo uma mulher jovem e negra são relatados no primeiro livro de Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta. Se hoje o evento é considerado o maior de cultura e empreendedorismo negro da América Latina, nem sempre foi assim.

Ao longo de 223 páginas, a empresária conta os dramas vividos ao longo do caminho em busca de realizar o sonho de construir um local que reunisse ao mesmo tempo cultura e entretenimento e ainda fosse um espaço para empreendedores negros realizarem negócios entre si.

O sucesso do projeto levou a empreendedora a figurar na lista das pessoas negras mais influentes do mundo. Para contar essa trajetória, em “Preta Potência”, Adriana intercala suas histórias familiares e seus conflitos internos com a complexidade de gerir o evento, que surgiu em 2002 e, desde então, reuniu mais de 200 mil pessoas.

A Feira Preta, relata o livro, começou como uma aposta e já movimentou mais de R$ 6 milhões, uma média de R$ 800 mil em vendas nos últimos três anos.

“Nós nos tornamos um ponto de encontro fundamental entre pessoas e negócios”, afirma a autora na obra.

Adriana lidera, além da Feira Preta, o programa de apoio Afrolab e o espaço de fomento PretaHub e já recebeu premiações internacionais. Mas ao longo do caminho precisou superar diversas barreiras, incluindo as próprias contas bancárias, que ficaram no vermelho em muitas oportunidades.

No texto, a empreendedora conecta os dramas que vivenciou na construção da Feira Preta com problemas pessoais e profissionais que também afligem milhares de outros empreendedores, refletindo sobre as dificuldades proporcionadas pelo racismo e pelo machismo e em como essas situações atingem um número grande de pessoas, minando potenciais.

Um dos problemas relatados por ela na gestão da Feira Preta foi a dificuldade de conseguir equalizar as contas do evento, apesar do grande público que ele atrai.

Outro ponto abordado pela empreendedora é o racismo estrutural, que dificultava a obtenção de patrocinadores e criava barreiras para que as poucas empresas dispostas a acreditar no projeto, especialmente no início, pagassem valores mais justos.

Adriana conta que esse processo passou, em certa medida, pelo sentimento de invisibilidade social que sentia e que, muitas vezes, a impediu de questionar a baixa remuneração ofertada pelas empresas.

“Hoje consigo compreender que o que colocamos na mesa valia muito mais”, diz. “Hoje tenho maturidade para reconhecer que foi uma negociação equivocada …”. “Em um mar de invisibilidade, aquele ‘sim’ foi um dos combustíveis para que algo muito maior acontecesse”, diz.

A necessidade de pertencimento e conexão com a sua comunidade instigaram Adriana a criar o projeto. Muito nova, sentia a ausência de um espaço que pudesse ser culturalmente acolhedor e que proporcionasse uma conexão entre empreendedores, permitindo que o dinheiro circulasse entre a própria comunidade negra.

Fruto dessa vontade, a feira incentivou ou consolidou milhares de negócios e deu oportunidade para muitos artistas. Emicida frequentou os corredores do evento, no início de carreira, para divulgar o seu trabalho. A influenciadora digital e empresária Ana Paula Xongani também deu alguns de seus primeiros passos por lá.

Um dos diferenciais de “Preta Potência” é que, embora seja um livro de negócios e empreendedorismo, contando os desafios por trás desse tipo de projeto, o material apresenta discussões a partir de uma perspectiva menos impessoal.

Com tocantes relatos, Adriana busca mostrar de que forma questões pessoais, como relações familiares, e problemas coletivos, como o racismo, podem influenciar na concepção e na gestão de um projeto.

A autora, entretanto, não se limitou a abordar relatos autobiográficos e a falar da trajetória da Feira Preta. O livro é permeado por dados históricos e pesquisas recentes e busca ampliar e embasar a discussão sobre os efeitos do racismo no acesso de pessoas negras ao mundo dos negócios.

Segundo o texto, ao discutir empreendedorismo, é importante ter por base que existem realidades distintas, nas quais algumas pessoas têm acesso a crédito e respaldo para inovar e outras pessoas empreendem, muitas vezes, por sobrevivência, sem acesso a uma estrutura financeira.

“Então, por exemplo, 82% dos empreendedores negros não têm CNPJ e operam na informalidade. Ao mesmo tempo, 29% da população negra que está exercendo alguma atividade trabalha por conta própria ou é empreendedora. Estamos falando de pelo menos 14 milhões de pessoas. Ou seja, embora trabalhar de forma autônoma seja um pilar fundamental, a precariedade e a falta de estrutura são maiores”, diz.

O livro traz ainda os questionamentos de Adriana, diante das dificuldades, sobre a continuidade ou não do projeto e sua autoanálise sobre erros e acertos ao longo do caminho da Feira Preta.

“Preta Potência”, para além de falar sobre negócios, consegue transportar quem já visitou a feira –como eu– para dentro dos corredores do evento. O livro também consegue passar para quem ainda não conhece a Feira Preta mais de perto um pouco do clima criado todos os anos por esse projeto que agora já ganhou ares de festival e sobreviveu por cerca de duas décadas influenciando milhares de jovens.

PRETA POTÊNCIA

Autora: Adriana Barbosa

Editora: Harper Collins

Quanto: R$ 29,60 (223 págs.)

Avaliação: muito bom

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