Esporte

Pressão para encantar sem expor promessas é desafio atual da seleção brasileira

Uma das discussões recorrentes entre torcedores e também no ambiente da mídia esportiva é sobre a capacidade da seleção brasileira de gerar encantamento, sobre a busca pelo ideal subjetivo de futebol bonito em ano de Copa do Mundo.

Apesar da classificação antecipada para o Qatar e da possibilidade de melhor campanha da história das Eliminatórias neste formato, etapa pela qual o Brasil enfrenta o Paraguai às 21h30 desta terça-feira (1º), no Mineirão, o time dirigido por Tite não é unanimidade em termos de aceitação pública.

Essa pressão para encantar é administrada com cuidado dentro da comissão técnica. Ao mesmo tempo em que é um objetivo perseguido internamente, também é motivo para Tite se armar e criar discurso em defesa do próprio trabalho. Embora a seleção tenha perdido a Copa América 2021, a caminhada nas Eliminatórias tem 11 vitórias e 3 empates, melhor ataque e melhor defesa.

Ainda há um elemento pouco levado em conta, mas que faz parte das reflexões e posicionamentos públicos de pessoas que trabalham na seleção, segundo ouviu a reportagem: não colocar responsabilidade demais sobre os ombros dos jogadores que personificam esse ideal de futebol bonito.

Num ciclo de Copa do Mundo em que a principal estrela do time foi desfalque em quase metade dos jogos, a atenção fica voltada para quem possa dividir esse protagonismo ofensivo com Neymar e proporcionar lances de encantamento, como dribles e jogadas individuais.

Na Copa América de 2019, o cara da ocasião foi Everton Cebolinha. No ano passado, Raphinha chegou com tudo e roubou os holofotes. Agora a missão parece ser de Vinicius Júnior, destaque do Real Madrid.

Cebolinha sumiu, ficou fora das últimas quatro convocações. Raphinha é titular, mas o nível de desempenho caiu nas últimas apresentações depois de um início fulminante. Já Vinicius Júnior está emendando uma sequência de jogos agora -ainda sem uma atuação estrondosa, apesar da lambreta diante da Argentina.

Em comum entre todos os casos, há o pedido de paciência de Tite em relação às altas expectativas criadas sobre os candidatos a protagonista. Nos bastidores da seleção e também em seus posicionamentos públicos, o treinador trabalha para segurar a empolgação, controlar o sentimento de que jogadores tão jovens podem assumir a responsabilidade de ser referências técnicas da equipe.

“Temos que ter muito cuidado em relação ao atleta jovem, calma com expectativas exageradas. E falo de uma forma de um profissional já experiente e que já passou por ‘n’ situações de ver que esses atletas jovens às vezes oscilam”, disse Tite no dia da convocação, no começo do mês.

O pensamento é de que o peso de defender a camisa da seleção carrega um aspecto emocional que pode prejudicar o desempenho dos jogadores, ainda mais num contexto de busca pelo encantamento, pelo tal futebol bonito.

Ainda são frequentes os questionamentos de profissionais da mídia sobre as escolhas de Tite e também sobre um possível desinteresse gerado no torcedor pelo futebol que a seleção joga. É tão comum que motivou a criação de uma retórica já repetida pelo treinador pelo menos três vezes nos últimos meses e que mostra como tais cobranças têm importância nos bastidores, como os profissionais veem essa pressão como algo a ser considerado.

Tite é contra generalizações sobre antipatia da imprensa. Ele diz que o sistema de jogo e o desempenho da equipe podem representar ou não a opinião do crítico, no sentido de que é pretensioso falar por toda a torcida ou imprensa. “Alguns compreendem, outros não”, já chegou a dizer.

Sendo assim, Tite acha que seu trabalho representa o anseio esportivo em relação à seleção de parte da sociedade ao mesmo tempo em que não representa o de outra parte e que isso é “normal, natural”. É um discurso de defesa do próprio trabalho que tem sido alimentado na esteira dos questionamentos.

O treinador ainda vê um debate a respeito do volante Fred, que se firmou como titular da seleção brasileira no ano passado. O jogador do Manchester United não tem o mesmo estilo de jogo de Paulinho, que foi o titular na Copa do Mundo da Rússia. Ele faz poucos gols: foram dois em 23 jogos pelo clube nesta temporada e só um em 48 jogos de 2020/2021. Também não é grande destaque no quesito passes para gol.

Ou seja, é um jogador que, pelos números, pode ser considerado pouco efetivo ofensivamente, fora do que o imaginário do futebol brasileiro compreende, de modo generalista, para um jogador da posição. Só que Tite não abre mão dele, considera o equilíbrio fundamental entre defesa e ataque. Ele deu espaço para Douglas Luiz, Bruno Guimarães e Gérson na função, mas não se convenceu.

De acordo com as reflexões de Tite nos bastidores, aliás, a presença de Fred é fundamental para que os quatro jogadores mais ofensivos da seleção tenham a capacidade de criar chances de gols, se sentirem livres para tentar uma jogada diferente sem a necessidade de uma transição defensiva desesperada se perderem a posse de bola numa tentativa de drible, por exemplo.

Para que a individualidade de jogadores como Neymar, Raphinha, Vinicius Júnior, Philippe Coutinho, Lucas Paquetá ou qualquer outro apareça, é preciso ter segurança, equilíbrio. Ou seja, na ideia de Tite, para haver encantamento, é necessário que tenha alguém como Fred no time. Essa é uma das conclusões deste ciclo para o Qatar, que Tite considera uma “construção de equipe”.

Inclusive, contra o Paraguai, o volante deve ser mais uma vez titular. A provável escalação brasileira tem Alisson; Daniel Alves, Marquinhos, Gabriel Magalhães e Alex Telles; Bruno Guimarães, Fred e Philippe Coutinho; Raphinha, Antony e Matheus Cunha.

Tite já manifestou publicamente que o auge precoce da seleção brasileira assim que ele assumiu o comando, em 2016, é hoje um peso. O máximo desempenho técnico daquele time foi atingido nas Eliminatórias, e não na Copa do Mundo. Então, a ideia agora é trabalhar o máximo de alternativas de jogo, formações, esquemas táticos e até jogadores e funções em campo para detectar o que funciona e o que não funciona. É para isso que serve o ciclo completo, que o treinador não teve antes. “Te permite até errar”, já disse.

O acompanhamento dá razão à filosofia: 84 jogadores diferentes foram convocados desde a Copa da Rússia, sendo 46 estreantes. Alguns se firmaram, e outros, não. O radar de selecionáveis vai afunilando quanto mais perto do Qatar se está. Os testes vão durar até o fim das Eliminatórias, enquanto os amistosos de junho e setembro serão para repetir padrão e consolidar uma formação.

O que Tite espera é ver a seleção brasileira na plenitude de seu desempenho no Mundial. Inclusive para gerar encantamento, que é algo que não sai de sua maneira de enxergar os processos.

Estádio: Mineirão, em Belo Horizonte (MG)

Horário: 21h30 (de Brasília) desta terça-feira (1º)

Transmissão: TV Globo e SporTV

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