Rio de Janeiro

Moradores do Alemão se trancam e perdem trabalho com medo de operação policial

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A manicure Patrícia do Carmo, 43, precisou se esconder no banheiro com a filha de 11 anos por causa da intensa troca de tiros no Complexo do Alemão, alvo de operação policial nesta quinta-feira (21). Ela mora na localidade da Fazendinha e calcula estar a cerca de 500 metros do ponto do tiroteio.

“Comecei a ouvir os tiros por volta das 6h, quando estava tomando banho. Chamei minha filha e ficamos lá por mais de 30 minutos. Sentíamos que os tiros estavam muito perto, preferimos não pagar para ver”, afirmou.

A Polícia Militar do Rio de Janeiro confirma ao menos 18 mortos na operação. Segundo a corporação, um de seus agentes morreu em meio à ação. Moradores denunciam que uma mulher dentro de um carro foi assassinada por um policial militar —sua morte foi confirmada pela UPA da região.

Matheus Andrade, 22, estudante e morador do Complexo do Alemão, teve a rotina inteiramente afetada pelo tiroteio: faltou ao trabalho e não irá para a faculdade.

“Eu fui acordado às 5h da manhã em meio a tiros na comunidade. Por conta da operação não pude trabalhar, não vou para autoescola e não vou conseguir ir para aula na faculdade. Há diversos relatos de amigos com casas alvejadas e vídeos de moradores com casas depredadas”, relatou.

Outra moradora, que prefere não se identificar, diz que está trancada em casa desde o início da operação e que avisou à empresa em que trabalha que não poderá sair nesta quinta-feira. Ela mora na parte alta do Alemão, onde, segundo ela, os tiros são incessantes desde o começo da manhã.

A Secretaria Municipal de Saúde do Rio informou que as clínicas Zilda Arns e Rodrigo Roig, na região, acionaram o protocolo de acesso mais seguro e estão com funcionamento suspenso na manhã desta quinta. As escolas municipais da região, em razão do recesso escolar, estão fechadas.

Em nota, a Polícia Militar afirmou que informações dos setores de inteligência indicaram a presença de criminosos do Complexo do Alemão praticando roubos de veículos, principalmente nas áreas dos bairros do Grande Méier, Irajá e Pavuna.

O grupo é suspeito de roubos a bancos e roubos de carga, além de planejar tentativas de invasão a outras comunidades.

Ainda segundo a polícia, durante a operação, criminosos colocaram fogo em barricadas, jogaram óleo na via e atacaram os agentes.

O motorista autônomo Samuel Leandro Torres, 31, foi outro que desistiu de sair para trabalhar pelo medo de ser atingido por balas.

“Nunca tinha ouvido tanto barulho de tiro como hoje. Comecei a ouvir por volta das 5h30 da manhã, acordei assustado e não consegui dormir mais”, conta. “Balas traçantes, rajadas de fuzil, foi assim ao longo da manhã. Até barulho de granada deu para ouvir”, afirma ainda o motorista, que mora na principal rua de acesso à Nova Brasília, localidade do Alemão.

Gabriel Silva, 22, diz temer também sair de casa nos próximos dias. “Tinha planos de tirar alguns documentos no Centro da cidade, mas era impossível sair. Também não pretendo sair de casa na sexta-feira e ao longo do fim de semana, porque o clima ainda deve continuar tenso. A não ser que não dê para adiar, vou me isolar no apartamento.”

​Moradores de outros bairros do entorno relataram também disparos atingindo as comunidades. A cerca de dois quilômetros dali, Roni Idelfonso, 23, foi atingido por um tiro de raspão dentro da casa de três andares onde mora com a família em Ramos, zona norte.

A esposa, Juliana Azevedo, 26, disse acreditar que o disparo tenha vindo da operação no Complexo do Alemão. A bala de fuzil furou o teto e atingiu a barriga do marido.

“A gente estava dormindo no último andar da casa, por volta de 6h30. Acordei com o barulho de alguma coisa caindo e o teto estilhaçando, com poeira em cima de mim. O revestimento externo é de telha e por dentro é de PVC. Na mesma hora, ouvi meu marido gritando ‘minha barriga!’. Percebi que algo tinha acontecido”, conta Juliana.

“Vi o buraco que estava no teto. No chão, uma bala de fuzil, fina e comprida. Meu marido sentiu dor, mas como o tiro foi de raspão, ele conseguiu ir trabalhar. A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais perto é justamente a do Alemão, não faz sentido ir para lá”, continua.

Houve ainda transtorno para quem tentava chegar ao Complexo do Alemão nesta quinta-feira, conjunto de favelas que conta com comércio movimentado.

O funcionário de uma empresa que fica na região, e prefere não se identificar, conta que precisou se abaixar no chão do ônibus, junto com outros passageiros. O confronto entre policiais e traficantes começou quando ele estava chegando ao Alemão. A loja onde ele trabalha continuou funcionando, mesmo durante o tiroteio.

OUTRAS OPERAÇÕES NO RIO

A operação ocorre em meio à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que restringiu as operações policiais para casos excepcionais no estado do Rio de Janeiro, enquanto durar a pandemia da Covid-19.

Em maio, operação policial na Vila Cruzeiro, a segunda mais letal no estado, resultou na morte de 23 pessoas. A favela é vizinha ao Alemão, alvo da ação desta quinta-feira.

A operação mais letal ocorreu em maio de 2021, na favela do Jacarezinho. Foram mortas 28 pessoas, sendo um policial civil.

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