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Brechós aproveitam consumidor em busca de pechincha

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O aumento expressivo dos preços de roupas, calçados e acessórios impulsiona o mercado de segunda mão no Brasil. Só no primeiro semestre deste ano, a demanda nos brechós cresceu em média 30%, e especialistas dizem que o segmento está longe do limite do seu potencial.

Segundo pesquisadores americanos, esse mercado deve crescer de 15% a 20% por ano nos próximos cinco anos, ultrapassando o valor do setor de fast fashion até 2030.

“Eu só comprava em fast fashion, e minha mãe dizia que eu gastava muito dinheiro. Agora, gasto entre R$ 150 e R$ 300 em peças que não vou desapegar fácil”, afirma a assistente administrativa Amanda da Silva, 28.

Ela começou a comprar de brechós na pandemia, atraída pelo custo menor. “Ficou muito caro comprar roupa”, diz.

Entre as roupas usadas que ela se orgulha de ter adquirido, está uma jaqueta da marca de carros esportivos Porsche, comprada por R$ 110. No site oficial, diz ela, custaria pelo menos quatro vezes mais.

O setor de vestuário registra a maior inflação desde 1995. A alta reflete o aumento dos custos de produção na indústria têxtil durante a pandemia, que desorganizou as cadeias de produção.

Em 12 meses até maio, os preços de vestuário acumularam alta de 16,08%, conforme o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Foi por causa da pandemia também que a ex-professora Priscilla Borges, 44, entrou no mercado de moda seminova –só que para vender as próprias roupas.

Priscilla Borges, dona do Brechó Vai com as Outras em Pirituba na zona oeste da cidade Zanone Fraissat/Folhapress **** Após deixar as salas de aula para se dedicar ao teatro, ela viu os trabalhos sumirem com as restrições impostas para conter o avanço da Covid-19.

“Comecei vendendo minhas roupas em uma mala. Hoje, estou na garagem da casa da minha mãe e conquistei minha independência financeira com o brechó”, diz.

Garimpando peças em bazares de instituições de caridade e igrejas, Borges tem peças com selo CGC, o CNPJ dos anos 1980 e 1990, que garante que o ítem foi fabricado há mais de 20 anos.

“Comprar peça usada já é uma realidade, não uma tendência. Eu mesma não tenho mais coragem de fazer compra em shopping”, afirma a empresária.

O Instituto de Economia Gastão Vidigal da ACSP (Associação Comercial de São Paulo) projeta crescimento de 29,6% do volume de vendas dos brechós em 2022 e já estima que o mercado de roupas usadas pode ultrapassar o varejo de moda em 2024.

“Desde o início da pandemia, vimos uma aceleração de compras, vendas e postagens no Enjoei, indicando uma evolução da maneira como as pessoas consomem itens de moda no Brasil e no mundo, traduzido neste movimento crescente de vendas nos últimos anos”, diz Andreia Cha, diretora de marketing do brechó online Enjoei.

Para a assistente de marketing Gabriela Mendonça, 28, comprar roupas usadas é hábito que carrega desde a infância, quando sua mãe ia a bazares de igrejas garimpar roupas mais baratas no interior de São Paulo.

Acostumada a gastar entre R$ 200 e R$ 300 por mês em brechós, ela busca a “exclusividade das peças”, agora garimpadas por profissionais de moda e oferecidas a preços abaixo do varejo.

“Não compro roupa em loja de jeito nenhum, porque é tudo igual e cara. Eu amo peça vintage, até a qualidade é superior”, diz Gabriela, que também vende roupas para os brechós com frequência.

“Estou morando na Holanda e, antes de deixar o Brasil, vendi praticamente todo o meu guarda-roupa para arrecadar dinheiro. Consegui cerca de R$ 3.000”, conta.

Pesquisa do BCG (Boston Consulting Group) com quase 3.000 clientes do Enjoei aponta um potencial de R$ 24 bilhões para o mercado de moda seminova, na esteira de países com o setor mais consolidado, como os EUA, onde o mercado de roupas usadas representou US$ 36 bilhões em 2020.

“Na pré-pandemia, a compra e venda de peças usadas já vinha em vertente de crescimento por uma mudança na forma de os consumidores se relacionarem com as roupas no guarda-roupa. Há uma preocupação global com a sustentabilidade que começou a se materializar em comportamento de consumo”, afirma Flávia Gemignani, responsável pelo relatório da BCG.

A sustentabilidade, porém, é uma questão secundária no Brasil, segundo a executiva da consultoria global. O brasileiro procura brechós pelo custo-benefício: quase 40% dos entrevistados no estudo do BCG são menos antenados na moda e adoram barganhas.

“Este perfil não tem orçamento sobrando, não se apega a causas ambientais e tem o preço como maior motivador de compra”, diz o relatório.

Para Gemignani, o aquecimento recente no Brasil desse setor é reflexo da proliferação dos marketplaces, que atraíram os que se incomodavam com a experiência física de um brechó.

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Consolidada no segmento de aluguel de vestidos de festa, a Dress & Go lançou um ecommerce de venda de peças de segunda mão, para superar as perdas da pandemia. Sem festas e eventos, a startup teve que se reinventar.

“Fechamos parcerias com marcas, estilistas e clientes, formando um acervo de 20 mil peças para vender. Desde produtos da Zara, Animale até Dolce & Gabbana. O potencial de mercado é gigante. Estudos indicam que vai crescer sete vezes entre 2019 e 2029”, afirma Mariana Penazzo, cofundadora da Dress & Go.

Para a empresária, todo varejista terá que repensar a sua forma de produzir devido aos custos e à responsabilidade socioambiental. “As parcerias são benéficas para as marcas, porque é uma forma de se fortalecer no ESG.”

Esse recente movimento de varejistas tradicionais no segmento de usados responde à demanda dos consumidores, segundo a BCG. Entre os entrevistados, 62% indicam maior chance de comprar uma marca se ela tiver parceria com o mercado de seminovos.

O mercado de roupas usadas, porém, não escapou da inflação. Para garantir peças de qualidade e a competitividade, brechós reajustaram o preço em suas etiquetas.

“Nos bazares compramos as peças pelo valor que vendíamos em 2019. Não tem como não repassar”, diz Stheffany Wendy, proprietária do I Need Brechó, em Pinheiros, zona oeste da capital paulista.

Mesmo com crescimento de 40% nas vendas neste ano em relação ao mesmo período do ano passado, Elisa Fernandes de Melo, 30, reajustou os valores do seu clube de assinatura e o valor do frete.

“As roupas ficarão cada vez mais caras porque há falta de tecido no mercado. Para sobreviver na pandemia, antecipamos o plano de uma marca própria e fizemos consignados com as clientes em vez de comprar peças no atacado”, afirma a proprietária da Ustyle.

A previsão da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) é que o crescimento da produção e das vendas desacelere neste ano, continuando abaixo dos níveis pré-pandemia.

Os amigos Ana Caroline Andrade, Adilson Souza e Odair José Barbosa aumentaram os preços das roupas que vendem aos domingos na avenida Paulista, em São Paulo. Eles apostam na preocupação do consumidor com o ambiente e a economia circular para o crescimento do mercado.

“Eu tive uma experiência com brechó em 2018. Quando voltei a garimpar, os preços já estavam mais altos. A dificuldade de repassar é achar a pessoa que valoriza a peça”, diz Souza. Para garantir um bom negócio, os vendedores esperam receber ao menos quatro vezes o valor que pagaram na roupa.

Há 17 anos trabalhando com brechós, Cristiane Mendes Seixas, 39, acompanha a chegada de novos clientes e brechós nos últimos dois anos. “É a questão da grana”, diz.

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