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Empresas de ônibus e apps travam batalha no Congresso

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em meio à frustração das expectativas com a abertura do mercado de transporte coletivo durante o governo Jair Bolsonaro (PL), aplicativos e até empresas regulares de ônibus interestaduais se armam no Congresso para tentar mudar as regras do setor.

Representantes de novas operadoras no Brasil, como FlixBus e Buser (conhecida como a Uber dos ônibus), estão criando sua própria bancada para fazer frente a empresários tradicionais, como Jacob Barata (dono do grupo Guanabara) e Nenê Constantino (controlador de Itamaraty, Breda e outras).

Esse grupo tem o apoio de diferentes parlamentares –alguns pertencentes a famílias proprietárias de empresas de ônibus, caso de Acir Gurgacz (PDT-RO) e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Representantes das empresas contam ainda com deputados como Carlos Chiodini (MDB-SC), Hugo Mota (Republicanos-PB), Alê Silva (Republicanos-RJ) e Felipe Rigoni (UB-ES).

A disputa de forças políticas já derrubou praticamente toda a diretoria da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) que, em 2019, começou a liberar mais de 2.000 pedidos engavetados de empresas interessadas em explorar novas linhas.

Para isso, à época, a diretoria da agência, então comandada por Davi Barreto, regulamentou um decreto de Bolsonaro que, na prática, permitiu à ANTT liberar os pedidos de autorizações pendentes desde 2016. Naquele ano, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) também tentou abrir o mercado, mas não obteve sucesso.

Barreto, egresso do TCU (Tribunal de Contas das União), era um dos nomes de confiança do então ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas e tinha a missão de conduzir esse processo. Tarcísio hoje disputa o governo de São Paulo.

Com as autorizações concedidas, as novas empresas geraram incômodos em um mercado que, devido à elevada concentração de rotas, impõe preços elevados e obtém margens de lucro superiores a 50%.

As entrantes passaram a dominar 15% das viagens interestaduais e intermunicipais, segundo estimativas do Ministério da Economia.

Com um sistema similar ao das companhias aéreas, elas passaram a otimizar a venda dos assentos que, antes, eram vendidos para uma viagem de longo percurso e chegavam ao destino vazios porque o viajante descia em uma cidade no meio do caminho.

Por essa eficiência, os preços dos bilhetes oferecidos chegam a ser, em média, 30% mais baratos do que os cobrados por companhias tradicionais, as forçando a reduzir valores e margens de lucro.

RECURSO AO TCU

Diante desse crescimento, considerado desenfreado pelas empresas tradicionais, a Anatrip (Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiro) fez uma denúncia ao TCU em 2020.

Em decisão cautelar, o plenário do tribunal decidiu suspender as autorizações até que a ANTT comprovasse capacidade de fiscalização das rotas liberadas.

Ministros do TCU afirmam que, no entanto, o mercado está aberto. A ANTT pode conceder uma licença desde que garanta a fiscalização do serviço prestado —o que não ocorre diante do corte de mais da metade do orçamento para esse tipo de atividade.

O mérito do processo, no entanto, ainda não foi julgado e o caso está com o ministro do TCU Antonio Anastasia, ex-senador do PSD que chegou ao cargo por uma indicação do Senado contando com o apoio de Pacheco.

REVIRAVOLTA NA ANTT

Barreto, que conduzia o processo de abertura do mercado, teve sua indicação à presidência da agência retirada pelo governo. Ele era um dos nomes de confiança de Tarcísio. Hoje, continua como diretor e seu mandato vence no próximo ano.

O comando do órgão está a cargo de Rafael Rodrigues, ligado a Pacheco. Segundo assessores do Planalto, Pacheco indicou os nomes na ANTT.

Naquele momento, o governo abriu mão das indicações para tentar selar um acordo com o Senado, que vinha travando a maior parte dos nomes do governo para órgãos reguladores e autarquias.

A nova diretoria decidiu submeter à consulta pública novas regras para o transporte coletivo interestadual. De acordo com elas, a agência deverá atestar o fôlego de investimento das empresas interessadas em atuar nesse mercado de forma a garantir sua capacidade operacional. Alguns diretores acham que R$ 200 mil de faturamento é pouco e preferem R$ 600 mil, por exemplo.

O novo marco, no entanto, só entrará em vigor um ano após a aprovação da nova regulamentação setorial —o que, para as entrantes, já demonstra interferência política no processo.

Segundo a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que representa empresas de tecnologia líderes de mercado no desenvolvimento de plataformas e aplicativos para o transporte de passageiros de longa distância, por ano, há 48,8 milhões de assentos ociosos no transporte rodoviário, refletindo um custo de oportunidade de R$ 5,4 bilhões para o setor.

PREFEITOS QUEREM ROTAS

A resistência à abertura desse mercado fez a ANTT desagradar a boa parte dos prefeitos que hoje buscam ao menos uma linha de ônibus que ligue sua cidade a outras.

Para eles, a conexão intermunicipal —seja pelas estradas, seja via internet (com infraestrutura de qualidade)— virou um meio de obter voto.

Essa divergência entre prefeituras e bancadas estaduais vem ajudando os novos aplicativos que, no Congresso, conquistam adesões de parlamentares mais ligados a esses municípios.

Recentemente, essa bancada conseguiu incluir no texto de uma Medida Provisória um artigo prevendo mudanças de interesse no fretamento de ônibus, outro segmento fechado dentro do transporte coletivo. O texto, no entanto, não foi votado.

OUTRO LADO

Procurado, Pacheco respondeu que não houve veto ou indicação por parte dele em relação aos atuais diretores, “que foram escolhidos por critérios técnicos do governo federal e sabatinados pelo Senado”. “Sobre o tema em si, não interfiro em questões técnicas de agências reguladoras”, afirmou em nota.

A assessoria do ministro do TCU Antonio Anastasia disse que ele não iria se manifestar porque “ainda não há decisão do tribunal”. Informou também que não há previsão para que o processo seja levado a julgamento.

Já a Anatrip defendeu que a abertura do transporte interestadual não pode ser “indiscriminada”. “A diretoria [da ANTT] estava abrindo os mercados sem observar requisitos de segurança”, disse o advogado da associação, Gabriel Oliveira. “Não via o capital social, se as empresas teriam condições caso houvesse acidente. A ANTT não tinha tamanho de fiscalização. Como libera e diminui sua capacidade de fiscalização?”, questionou.

A ANTT disse, por meio de sua assessoria, que o mercado de transporte rodoviário interestadual de passageiros já opera em regime de autorização desde o ano 2014 por força de uma lei. Em 2022, houve atualização da legislação com novas diretrizes e, diante disso, a agência informou que trabalha na atualização do marco regulatório.

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