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Saiba como são os projetos inéditos de Paulo Bruscky, que mistura vida e arte

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao invés de vagas para os carros dos visitantes, um pedaço de madeira com cabrestos nos quais podem ser amarrados burros e cavalos. Assim Paulo Bruscky transformou desde sábado (27) o estacionamento da galeria Nara Roesler, localizada numa das regiões mais ricas de São Paulo, numa garagem para quadrúpedes.

Inédita, a instalação “Estacione Seu Burro Aqui”, imaginada pelo artista nos anos 1970, ganha forma pela primeira vez agora numa exposição concebida a partir das anotações de Bruscky em cadernos variados. “Toda a minha vida está aqui. Às vezes eu anoto uma frase e já sei o que é”, ele diz, mostrando ao repórter três de seus bancos de ideias, como chama seus livros de rascunhos e colagens que mantém há mais de 50 anos.

Várias obras que antes só existiam na imaginação do artista -nome central na arte brasileira com seu trabalho multimídia, carregado de crítica social e ironia-, estão agora materializadas nesta mostra só de instalações em sua galeria paulistana. Outro destes trabalhos é um tonel de lixo aberto com um espelho no fundo, no qual o visitante se vê refletido caso vá espionar o conteúdo da lata.

No meio do espaço expositivo, um amontoado de pedras, tijolos e uma pá simulam um ambiente de construção, atravancando a circulação. “É para atrapalhar mesmo”, afirma Bruscky sobre “Trecho Em Obras”. Misturar arte e cotidiano é um dos aspectos centrais na poética do artista, assim como se vê em outro trabalho, “Amsterdã Erótica”, uma série de fotografias e o vídeo de uma performance nos quais ele simula que os pilares das ruas da cidade holandesa são pênis.

“As pessoas têm que ver a arte nas coisas. Vida e arte são a mesma coisa. É ‘vidarte’, uma palavra só. Elas estão juntas e vivem juntas. A arte cabe em qualquer lugar, qualquer canto, na rua, na vitrine”, ele afirma, acrescentando que o público deveria perder o medo de entrar em galerias de arte sendo que entra em shoppings e restaurantes.

Se irreverência é a palavra de ordem na mostra da galeria, não se pode dizer o mesmo de outra exposição de Bruscky que inaugura neste sábado (3), no Instituto de Arte Contemporânea, o IAC, também em São Paulo. Nesta mostra carregada de crítica política estão reunidos dezenas de documentos e obras dele e de outros artistas com quem se correspondia num movimento que ficou conhecido como arte postal.

Durante o período das ditaduras na América Latina e dos regimes repressivos nos países do leste da Europa -as regiões-foco da exposição-, Bruscky trocava por correio cartas, cartões postais, pôsteres, desenhos e xerox com outros artistas que, assim como ele, viviam sob governos que vigiavam a liberdade de expressão. Até fitas cassete com poemas sonoros eram enviadas, segundo o artista, hoje com 74 anos.

Usar o serviço de correio era uma forma das obras escaparem da censura, diz Jacopo Crivelli Visconti, o organizador das duas exposições, porque era praticamente impossível para os governos controlarem milhares de correspondências e porque o conteúdo dos envelopes muitas vezes não era entendido como arte. Boa parte dos trabalhos abordam a mão de ferro do Estado sob a qual os artistas viviam.

“Mais do que o suporte [das obras], é a ideia de uma circulação que é central na arte postal”, afirma Visconti. “As obras de arte postal nunca eram concebidas como obras fechadas, assépticas, que você faz e aquilo acabou e é para pôr numa moldura e num cubo branco. Muito pelo contrário. Muitas vezes as obras eram concebidas para serem colaborativas, continuadas por quem as recebesse.”

Nas poucas vezes em que estas obras vieram à tona em espaços institucionais, elas obviamente não foram bem recebidas pelos agentes da ditadura brasileira. Em 1976, Bruscky organizou uma exposição internacional de arte correio no próprio prédio dos Correios em Recife. No dia da abertura, censores baixaram no local e exigiram que o artista removesse alguns trabalhos. Ele se negou e foi preso pelos agentes.

Todo o material da exposição do IAC vem do acervo de Bruscky, composto por cerca de 70 mil itens entre obras, documentos e correspondências abrangendo as principais vanguardas do século 20, como pop art, poesia experimental e os grupos Gutai e Fluxus. Este inventário ocupa o ateliê do artista em Recife de cima a baixo -no passado, seu ambiente de trabalho foi trazido para a capital paulista e exposto numa Bienal de São Paulo.

Um dos destaques da exposição no IAC é uma carta do artista Juan Carlos Romero a Bruscky, mostrada junto a páginas de um livro do argentino onde se lê a palavra violência em grandes letras de forma. Vale mencionar também uma série de folhetos e colagens do chileno Clemente Padín, exibidas ao lado do envelope original -que é uma obra de arte em si- carimbado com os dizeres “mail art”.

Afora as duas exposições, Bruscky é agora tema de um documentário do cineasta Eryk Rocha, que vem acompanhando seu processo de criação há alguns meses. A partir do ano que vem, o filme deve começar a circular nos festivais. “O Paulo está nesta ‘desfronteira’ entre a vida e a arte. Esta ‘desfronteira’ é um dos temas do filme”, diz Rocha.

PAULO BRUSCKY – BANCO DE IDEIAS

Quando Até 29 de julho; seg. à sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 15h

Onde Galeria Nara Roesler – av. Europa, 655, São Paulo

Preço Grátis

PAULO BRUSCKY – ATITUDE POLÍTICA

Quando De 3 de junho a 5 de agosto; ter. à sex., das 11h às 17h; sáb., das 11h às 16h

Onde Instituto de Arte Contemporânea – av. dr. Arnaldo, 120/126, São Paulo

Preço Grátis

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