Setor de tecnologia quer teto para aumento de impostos na Reforma Tributária
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As maiores empresas de tecnologia e varejo digital em operação no Brasil, representadas pela camara-e.net (Câmara Brasileira de Economia Digital), veem com bons olhos a Reforma Tributária. Querem, no entanto, a definição de um teto para o aumento de impostos sobre o setor de serviços no texto da Reforma Tributária, em tramitação no Congresso.
A entidade diz em nota que o limite de aumento de tributação sobre os serviços não deve criar complexidades sobre a estrutura do novo imposto a ser criado pela Reforma, chamado IVA.
“A substituição dos tributos sobre o consumo pelo IVA, único ou dual, que alcance ao mesmo tempo bens e serviços, físicos e digitais, é um passo de primeira importância para modernizar o sistema tributário brasileiro e aproximá-lo das melhores práticas internacionais”, defende a entidade em nota publicada em seu site.
Mercado Livre, Quinto Andar, C6 Bank afirmam que a simplificação no sistema tributário é positiva para o país. Além da camara-e.net, a Zetta, associação sem fins lucrativos fundada por Nubank e Mercado Pago que reúne 29 empresas de serviços financeiros, também se colocou a favor de alterações no sistema tributário.
O Mercado Livre diz que é contrário a criação de uma responsabilidade solidária na cadeia produtiva, quando a dívida de um fornecedor com o Estado é cobrada de um revendedor, e vice-versa. “No setor de comércio eletrônico, em que as plataformas já compartilham informações e cooperam com a fiscalização, entendemos que o modelo atual deve ser mantido.”
Magalu e Americanas disseram que se posicionariam por meio do IDV. O Instituto para o Desenvolvimento para o Varejo (IDV), que inclui varejistas que atuam em marketplaces, não quis comentar o assunto.
Já a Abott’s (entidade patronal dos serviços de streaming de vídeo), a tributação para transmissão de conteúdo online via aplicativo deveria ter as mesmas regras de tributação do que livros, por considerar que esse serviço fornece educação, entretenimento e cultura.
“Acreditamos que o governo e o Congresso têm interesse em garantir a universalização do acesso à informação a partir de alíquotas condizentes com a realidade brasileira”, diz a entidade em nota.
As plataformas, no geral, se enquadram na categoria de serviços, não vendem bens de consumo. De maneira simplificada, o Facebook cobra para distribuir anúncios, a Amazon, na função de marketplace, recebe do vendedor que quer anunciar no site da gigante do varejo, e o Uber fica com uma fatia do valor pago ao motorista para colocá-lo em contato com o cliente.
Por isso, essas empresas são taxadas via ISS (Imposto sobre Serviços, de escopo municipal). Conforme lei federal, a alíquota desse imposto pode variar de 2% a 5% (os municípios definem quanto cobrar, dentro dessa faixa). Pagam também PIS e Cofins, cujo cálculo é feito diretamente sobre a receita, embora sejam isentas de ICMS (imposto estadual sobre bens), de acordo com a Lei Kandir.
O texto aprovado na última quinta (6) pela Câmara dos Deputados prevê a fusão de PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado). O IVA será dual, ou seja, dividido em dois impostos, um de caráter federal e outro para estados e municípios.
O ICMS, por determinação constitucional, tem alíquota mínima de 4%, mas a cobrança pode chegar a 18%. Na disputa para atrair empresas para seu território, governadores concedem benefícios que podem zerar a coleta do tributo é a chamada guerra fiscal.
Como a Reforma visa unificar a coleta gerada pelos cinco impostos mencionados em um IVA dual (CBS cobrado pelo governo federal e IBS, pelas esferas estaduais e municipais), a porcentagem cobrada sobre serviços e produtos que gozavam de isenção tende a subir, avaliam as empresas.
O Ministério da Fazenda projeta que o setor de serviços, no geral, pagará mais impostos de forma direta. Esse valor seria repassado para o consumidor de forma direta apenas no caso de prestações entre empresa e cliente, como streaming e marketplaces.
No caso dos marketplaces, a cobrança de ICMS, imposto de importação e outros tributos ainda é sobretaxada pelo ISS chamado por especialistas de imposto cumulativo.
O titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da USP, Luís Eduardo Schoueri, afirma que a Reforma Tributária tem o mérito de evitar a cobrança de imposto sobre imposto, a partir da concessão de créditos tributários. “Isso vale para toda a cadeia, inclusive quando o Facebook compra um computador.”
O Ministério da Fazenda também argumenta que o setor de infraestrutura deve ser menos taxado, o que deve diminuir gastos com energia elétrica.
Schoueri, contudo, afirma que é impossível saber se haverá mais ou menos tributação no total com a aprovação da Reforma. Isso será definido na lei complementar necessária para regulamentar o novo sistema tributário, caso a PEC 45/2019 seja aprovada no Senado.
Será preciso olhar além da alíquota, diz o sócio da área tributária do Pinheiro Neto advogados, Luiz Roberto Peroba. Mesmo que o percentual do imposto aumente, o sistema de crédito proposto com o novo IVA reduzirá a base de pagamento, o que terá efeito no valor final pago ao Estado.
A PEC aprovada pela Câmara dos Deputados também cria isenções para educação, saúde, agronegócio e outros setores. “Quanto mais exceções, mais alto sairá o IVA para as outras áreas”, diz Schoueri.
Alguns serviços, como hotelaria, parques de diversão e restaurantes, também terão alíquotas diferenciadas, mas as plataformas digitais não estão inclusas.
Dentro do setor da tecnologia, a tributação também incide de formas diferentes sobre diferentes serviços como publicidade digital em redes sociais, intermediação de vendas em marketplaces e bancos digitais.
Em casos específicos, redes sociais não pagam imposto em transações que envolvem o usuário brasileiro. “Caso a fabricante de pneus Pirelli, da Itália, compre anúncios do Facebook nos EUA para divulgá-los no Brasil, o governo não coleta imposto. Essa é uma discussão global.”
Google, Facebook e TikTok, todos associados à camera-e.net, foram procurados pela Folha e preferiram não comentar. O Twitter também foi questionado via email, mas respondeu com mensagem automática que continua um emoji de fezes a rede social não tem representação de imprensa no Brasil desde que Musk comprou a plataforma.
O banco digital C6 se diz representado pela nota da Febraban, que elogiou a aprovação da Reforma Tributária. “O pior cenário seria ficarmos presos na falta de consenso na busca de uma reforma ideal.”
“O sistema atual é um entrave para o crescimento: reduz a produtividade das empresas, impede a alocação eficiente de recursos e gera um nível de litigiosidade na sociedade sem paralelo nos demais países, tanto nos desenvolvidos como nos emergentes comparáveis ao Brasil”, afirma a entidade em nota.
Procurado, o Nubank preferiu não se pronunciar sobre a Reforma Tributária. A Folha procurou a Zetta, associação sem fins lucrativos fundada pelo banco digital e pelo Mercado Pago. A entidade está alinhada com a Febraban na defesa da aprovação da reforma.
A Zetta afirma que pontos a respeito de serviços financeiros precisam ser detalhados em regulamentação específica a lei complementar. “A Zetta segue acompanhando o assunto, contribuindo de forma técnica com as discussões e defendendo a perspectiva de seus associados no que considera benéfico para os consumidores.”
A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que representa aplicativos de transporte e logística, preferiu não se pronunciar sobre a Reforma Tributária. Tampouco o fizeram suas associadas Uber, 99 e iFood.