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Blues conquista fãs jovens e comprova sua força em diferentes eventos pelo país, com direito a medalhões internacionais

O blues pode até agonizar — inclusive é da natureza do gênero, criado por volta de 160 anos atrás no Sul profundo dos Estados Unidos, por escravizados de origem africana com saudade de casa e sofrendo com a opressão; a palavra, além de dar o nome à cor azul, também significa tristeza, melancolia ou, em bom afroportuguês, banzo. Mas o blues não morre. A julgar pela agenda de shows no Brasil, além de uma tendência mundial, está tudo azul com o blues.

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— Na linguagem dos americanos, o blues está no backseat, o banco de trás — diz Edgar Radesca, produtor do Bourbon Festival Paraty, que começa amanhã na cidade histórica fluminense, e sócio do Bourbon Street, casa de shows em São Paulo. — Em alguns momentos, ele chega a transcender a popularidade de um gênero naturalmente fora do mainstream e atingir um status pop, como aconteceu com B.B. King, Stevie Ray Vaughan e outros. Eric Clapton, que vem tocar no Brasil em setembro (em Curitiba, Rio e São Paulo, nos dia 24, 26 e 29 daquele mês, respectivamente), é outro caso, e ele está trazendo consigo Gary Clarke Jr, um fenômeno do blues contemporâneo.

O gênero terá vários representantes no festival gratuito que vai de amanhã a domingo em Paraty, como os brasileiros Artur Menezes e Fred Sunwalk e a americana Terrie Odabi, que vem ao Brasil pela segunda vez. Badalada e premiada nos EUA por discos como “My blue soul”, de 2016, a cantora de Oakland, na Califórnia, vê uma renovação forte no gênero que defende.

— O público do blues está ficando mais velho, mas existem fãs jovens vindo atrás deles — diz ela. — Conheço alguns maravilhosos artistas jovens de blues, como Annika Chambers, DK Harrell, Melody Angel, Stephen Hull, Harrell Davenport, Carley Harvey e Quise Knox. Eles trazem uma abordagem nova do gênero, com juventude e vibração. Acho que o blues está em boas mãos.

Estilo perene

Além do festival em Paraty, o Rio e outros estados do Brasil verão o gênero em mais eventos, como o Prio Blues & Jazz, a partir da próxima semana, no Teatro Prio, no Jockey Club, e o Best of Blues and Rock, em junho (de 20 a 25, em Rio, São Paulo, Curitiba e Belo Horizonte), com figurões como Joe Bonamassa e Eric Gales.

— Bonamassa e Gales são incríveis — diz Rodrigo Suricato, que, além de cantor e guitarrista do Barão Vermelho, é atração do Prio em seu projeto solo, em que toca e canta clássicos do blues e do rock próximo ao blues (quem sabe onde fica a fronteira?). — Eles são responsáveis por trazer o blues a um público novo, que possivelmente chegou a eles por gostar de rock. A gente consegue ouvir o Albert King na guitarra do Bonamassa, ou o Stevie Ray Vaughan no som do Artur Menezes, um guitarrista de primeira, grande valor do blues nacional contemporâneo.

Ele também acha que o blues não é naturalmente um gênero para as paradas de sucesso do mainstream, mas, por outro lado, isso ajuda na perenidade do estilo.

— Sempre foi underground, e assim influenciou grandes bandas do rock como Black Sabbath e Led Zeppelin — lembra Suricato. — O rock é o subproduto mais famoso do blues, que também tem conexões claras com o jazz, o soul e o funk. Uma coisa muito legal é que, com essa segmentação, o gênero tem seus códigos respeitados, ele muda pouco com o passar dos anos. É uma linguagem quase folclórica, na qual mudanças drásticas não são muito bem-vindas.

Até Slash e sua turma

Além de Bonamassa (que, a caminho do Brasil, deu uma passada no estádio Lumen Field, em Seattle, para abrir um show dos Rolling Stones na semana passada), de Gary Clarke Jr, da Tedeschi Trucks Band e outros, Slash é mais um superstar do rock a dar seus passeios pelo universo blueseiro. De férias de seu trabalho principal, o Guns N’ Roses, o guitarrista acaba de lançar o disco “Orgy of the damned”, em que relê clássicos do blues ao lado de convidados estrelados.

Brian Johnson, cantor do AC/DC (mais uma banda com raízes profundas no blues), canta “Killing floor”, originalmente de Howlin’ Wolf; “Oh well”, do Fleetwood Mac, tem os vocais do astro country Chris Stapleton; e “Awful dream”, de Lightin’ Hopkins, foi registrada pela voz rouca de Iggy Pop. O disco tem ainda Steven Tyler, do Aerosmith, Demi Lovato, Billy Gibbons, do ZZ Top, e outros.

“Sempre fui fã de blues, desde que peguei a guitarra pela primeira vez”, contou ele à revista Billboard americana: “Não sou um músico de blues sério, mas me diverti muito gravando essas canções.”

Naturalmente, não há outro nome brasileiro que venha à mente automaticamente à menor menção de blues do que o grupo carioca Blues Etílicos, há 35 anos militando no gênero — e agora reduzido a um quarteto, após a morte do cantor e guitarrista Greg Wilson, de câncer, em janeiro deste ano.

— Tivemos um tempo de resguardo para o luto, mas agora já estamos de volta, com shows na agenda — diz o gaitista Flávio Guimarães, agora responsável por todos os vocais.

Ele, que se autodefine (com humor) como “o blueseiro mais longevo do Brasil em atividade”, na flor de seus 60 anos, aponta alguns fatores para a permanência do gênero nos palcos, no Brasil e no exterior.

— São muitos festivais pelo Brasil, capitais e interior, alguns especializados e outros que incluem o blues, além de projetos de entidades como o Sesc — diz ele.— Rio das Ostras (onde o evento do gênero acontece semana que vem, de quinta-feira a domingo) e Búzios (que este mês recebeu seu festival), por exemplo, são cidades que têm eventos legais para artistas e públicos. Claro que existem também aqueles que pagam um cachê pífio e te oferecem um palco com algumas tomadas…

The Blues Foundation

Nos Estados Unidos, onde o blues é um patrimônio cultural — mais ou menos como o samba no Brasil, mas não com a mesma popularidade —, existem projetos institucionais de fomento e renovação do gênero.

— A Blues Foundation, em Memphis, no Tennessee, faz um trabalho sério há décadas — aponta o gaitista. — Eles viram que o público do blues estava começando a ficar mais coroa, muitas cabeças brancas, e começaram um programa sério de incentivos, que banca aulas e ensaios para as crianças e jovens e ainda produz shows e festivais. Quando toquei em Clarksdale, no Mississippi, em 2016, o Christopher “Kingfish” Ingram estava surgindo, ainda adolescente. Agora ele está estourado e é atração do Rock in Rio (no Palco Sunset, em 14 de setembro). Assim como o choro, o blues é uma manifestação cultural que precisa de incentivo.

É comum músicos daqui viajarem para beber diretamente na fonte, e alguns acabam se mudando.

— Às vezes você vê um nome brasileiro no meio da escalação de um festival de blues americano — conta Edgar Radesca, do Bourbon. — Nós tentamos trazer alguns desses artistas aos nossos eventos.

É o caso do guitarrista Fred Sunwalk , radicado na Flórida e com boa circulação no mundo do blues — já abriu shows de Buddy Guy e Jimmy King e tocou lado a lado com Eric Gales. Fred também é atração do Bourbon, neste fim de semana.

— Paraty é sempre incrível, um público entusiasmado e aberto para coisas novas — diz ele, que já conta com sete discos gravados. — Acho que o público no Brasil é mais abrangente do que nos EUA, vejo pessoas de várias faixas etárias. E cada vez que venho fico mais otimista com o número de festivais, que cresceu muito nos últimos 30 anos, desde que comecei a tocar profissionalmente.

Não chega a ser uma vida fácil — o próprio Flávio Guimarães se diz muito sortudo por ser um raro praticamente da gaita do blues no Brasil desde os anos 1980, o que lhe rendeu gravações (e grana) com nomes diversos do rock e da MPB —, mas as incursões pelo blues estão sempre aparecendo, muitas vezes vindas de nomes consagrados do rock, como Nasi, do Ira!, Rodrigo Suricato e seu antecessor no Barão Vermelho, Roberto Frejat.

— Voltei a ser guitarrista — brinca Suricato, que no Barão divide as responsabilidades no instrumento com Fernando Magalhães, e em seu projeto de blues encara tudo sozinho, tocando Frank Zappa, Gov’t Mule, Deep Purple, Black Sabbath e outros.

Luiz Melodia, um ícone

Já Frejat, em seu projeto Frejat em Blues, passeia pelo gênero em sua vertente brasileira, de nomes como Luiz Melodia, Djavan e Alceu Valença.

— Acho que o Melodia é a personificação do blues brasileiro, por isso ele é muito presente no meu show — diz ele, que décadas atrás enveredou pelo blues/soul clássico em outro projeto, a Midnight Blues Band.

Em diferentes (mas não muito) formatos e versões, o blues não parece prestes a ir a lugar nenhum —, ou antes, parece estar em vários lugares.

— As pessoas sempre amarão o blues, porque é um tipo de música que mexe com os sentimentos e mexe com o espírito — diz a cantora Terrie Odabi. — O blues viverá para sempre.

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