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‘Cartas ao meu Vizinho Palestino’ é lição fundamental para quem torce pela paz

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Raramente se escreveu uma declaração de amor tão sincera pelo judaísmo e pelo Estado de Israel. Em contrapartida, é um tanto inédita a presença, no mesmo livro, de críticas ácidas vindo de vozes palestinas. Esse conjunto de oposições tem um nome. É a síntese da mais destilada honestidade intelectual.

“Cartas ao meu Vizinho Palestino”, do pacifista israelense Yossi Klein Halevi, acaba de ser traduzido pela Contexto. E já nasce como uma lição fundamental para quem torce pela paz e quer entender o Oriente Médio. E a quem também se disponha a saber que os dois lados não reúnem apenas posturas belicistas.

O projeto das “Cartas” é curioso. Yossi Halevi, americano que emigrou para Israel em 1982, participa de um movimento que virou instituição para promover a conciliação entre israelenses e palestinos. Como boa vontade, o autor, além de dar a palavra aos que se encontram do outro lado do muro que separa Israel da Autoridade Nacional Palestina, traduziu seu livro para o árabe e o colocou grátis na internet.

É bem verdade que nada disso resolve o impasse histórico. Mas já são alguns passos. É por isso que a leitura das “Cartas” e das respostas que elas receberam valem a pena. Do lado palestino do muro há fumaça branca. São soldados israelenses lançando gás lacrimogêneo. Yossi pergunta a seu vizinho anônimo. “Como é que você consegue, se é que consegue, manter uma vida normal?” E mais adiante: “Como palestino, são negados a você os direitos de cidadania de que usufruo como israelense”.

Mas para um israelense nem tudo são espinhos. Em 1948, o jovem país sobreviveu ao ataque de cinco de seus vizinhos e, em seguida, organizava, a partir dos iemenitas, o retorno maciço dos judeus da diáspora.

A ideia de retorno é fortíssima na linguagem de Yossi. Os judeus, com o sionismo do início do século 20, passaram a voltar a terras que ocupavam há 4.000 anos, quando em Hebron o patriarca Abraão recebeu de Deus a mensagem monoteísta. Desde então, o judaísmo foi um pensamento teológico compartilhado e um sentimento por determinado território que os babilônios e os romanos lhes quiseram negar.

Daí a ideia de desconexão entre o Holocausto e a criação do Estado de Israel. Não foi uma compensação oferecida pela comunidade internacional em troca dos 6 milhões de judeus mortos pelos nazistas. Israel, bem mais que isso, permanecia vivo como aspiração milenar. Yossi tem um radar bem calibrado ao identificar os momentos em que a direita israelense se fortalece com base no medo que ela propaga e que o terrorismo alimenta. O israelense pacifista ao mesmo tempo é indulgente com os trabalhistas de David Ben-Gurion e a predisposição ao diálogo de uma esquerda hoje enfraquecida.

As “Cartas” dão peso quase inexistente ao chamado direito ao retorno dos palestinos, no malogro das negociações de Oslo –em que a conciliação entre os dois povos esteve mais próxima. Os palestinos queriam de volta as terras expropriadas e não se sentiram satisfeitos com a resposta do outro lado.

Ao mesmo tempo, Yossi demonstra indignação frente a certas decisões israelenses, como a de decretar toque de recolher para a população palestina durante festividades numa cidade de maioria árabe.

Os palestinos que responderam ao israelense têm posição mais monológica. Não reconhecem os erros de seus compatriotas e contestam o estatuto de vizinhança que Yossi atribui aos moradores do outro lado do muro, na medida em que inexiste simetria entre colonizadores e moradores dos territórios ocupados.

Mas os porta-vozes do outro lado -empresários, professores- dizem que o diálogo ainda é possível. Lamentam o peso dos ortodoxos extremistas na política israelense e afirmam que eles consideram os árabes culturalmente inferiores. É um contrapeso ao antissemitismo. Mas não lamentam o terrorismo.

Outra discrepância está na maneira pela qual os dois grupos nacionais cresceram nos anos 1960. Enquanto os israelenses construíam as fundações de uma sociedade próspera e moderna, os palestinos cresciam em campos de refugiados e compartilhavam o luto pela perda de suas casas e aldeias, o que foi em parte necessário para que Israel se fortalecesse demográfica e economicamente.

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CARTAS AO MEU VIZINHO PALESTINO

Preço: R$ 45

Autor: Yossi Klein Halevi

Editora: Editora Contexto

Tradução: Margarida Goldsztajn

Págs.: 224

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