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Em ‘Nada Sobre Meu Pai’, diretora vai ao Equador à procura do pai desaparecido

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Primeiro veio o problema. Em 2005, a filha da documentarista Susanna Lira recebeu da escola a tarefa de desenhar uma árvore genealógica. Com 8 anos na época, a garota sabia o que preencher no ramo da avó materna, mas não tinha o que indicar na linha do avô materno.

Susanna Lira não conhecia o seu pai. Não só isso, tinha pouquíssimas informações sobre ele. Sabia que o homem era equatoriano e respondia pelo nome de Hélio Francisco de Castro, muito provavelmente um pseudônimo, devido à ligação com a militância de esquerda. Sabia ainda que tinha apenas 19 anos quando conheceu a mãe da documentarista, em 1970 –Lira foi fruto desse namoro.

Quando Lira nasceu, o rapaz já tinha desaparecido e nunca mais deu qualquer sinal. Não deixou nenhuma foto.

Depois do impasse com a árvore genealógica da filha, surgiu a ideia da cineasta: por que não fazer um documentário sobre o impacto da ausência paterna?

Àquela altura, Lira não imaginava a saga que teria pela frente. Entre esse desejo inicial e a conclusão do filme, passaram-se 17 anos, de longe o projeto mais complexo da diretora de documentários como “Clara Estrela” (2017) e séries documentais como “Casão – Num Jogo sem Regras” (2022).

“Nada sobre meu Pai”, que brinca com o título do filme de Pedro Almodóvar “Tudo sobre minha Mãe”, tem sua primeira exibição para o público na edição carioca do festival É Tudo Verdade neste domingo (16). Nos dias seguintes, acontecem sessões em São Paulo.

No início do projeto, Lira planejava um filme com histórias de pessoas marcadas pela ausência paterna. Em meio a outros trabalhos, ela e sua equipe iniciaram pesquisas com esse enfoque até a reviravolta em um laboratório de roteiros em Montevidéu, em 2011.

Depois da apresentação da documentarista no evento uruguaio, um diretor de uma TV do Equador a chamou, em particular, e a provocou: por que falar de outros no filme quando era justamente a história dela a mais interessante de todas?

Lira se convenceu de que esse novo caminho fazia mais sentido, mas outro impasse logo se impôs. Em um projeto assim, mais pessoal, seria inescapável a presença dela diante da câmera, algo que rejeitava com convicção. “Sempre tive pavor da ideia de aparecer nos meus filmes.”

Nos anos seguintes, vieram sessões de terapia e discussões com colegas para que a diretora se sentisse à vontade com esse enfoque. E ainda a busca de financiamento para a produção, que só faria sentido com a ida de uma pequena equipe de filmagens a Quito.

Antes de viajar ao Equador, em abril do ano passado, ela publicou um anúncio nos principais jornais do país em que contava o pouco que sabia sobre seu pai e dizia estar à procura dele. Deixou telefone e email. A embaixada brasileira em Quito também divulgou um comunicado em seu site sobre a busca de Lira.

O caso virou um fenômeno midiático em Quito, com dezenas de entrevistas da diretora a repórteres de jornais, TVs e rádios, algumas delas apresentadas em “Nada sobre meu Pai”. Como se vê, a postura de Lira não inspira piedade, não estamos diante da “mulher vulnerável à procura do pai”. O tom, pelo contrário, é de altivez.

Tanta visibilidade levou alguns equatorianos a entrar em contato com Lira dizendo que tinham informações sobre o pai dela. Esses encontros entre a documentarista e pessoas até então desconhecidas e que talvez mudassem a vida dela estão entre as passagens mais interessantes do filme.

“Gosto de planejar o máximo possível. Neste filme, eu me coloquei num abismo, que é o imponderável. Em Quito, não sabíamos quem iríamos entrevistar no dia seguinte”, conta. Ou seja, o documentário nasceu das surpresas que saltavam dia após dia ao longo de três semanas na capital equatoriana, unindo duas cargas: a profissional e a emocional. “Foi o filme mais difícil da minha vida.”

Os desafios apresentados em “Nada sobre meu Pai” também fazem do filme uma reflexão sobre a memória e o próprio cinema. “Quando não se pode lembrar, porque não existem informações para lembrar, a poesia cria imagens que vão preencher essa necessidade de memórias que não existem”, diz, a certa altura do documentário, o cineasta equatoriano Pocho Álvarez.

Ele foi um dos diretores a registrar as mobilizações populares no país contra o regime autoritário de Velasco Ibarra.

Ao rever essa fase de repressão política no Equador, “Nada sobre o meu Pai” evoca filmes anteriores de Lira sobre a ditadura no Brasil, como “Torre das Donzelas” (2019), que lembra a ala das presas políticas do presídio Tiradentes, em São Paulo.

Na busca por seu pai, Lira encontra o ativismo político e os mistérios do cinema.

NADA SOBRE O MEU PAI

Onde: No Rio de Janeiro: dia 16 (domingo), às 20h, no Net Botafogo; dia 17 (segunda), às 18h, no Net Rio – Sala 3. Em São Paulo: dia 17, às 20h30, no Cine Marquise; dia 18 (terça), às 19h na Cinemateca – sala Grande Otelo

Preço: gratuito

Classificação: livre

Produção: Brasil, 93 min

Direção: Susanna Lira

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