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Aos 60, curso de japonês da USP atrai fãs de mangá, mas enfrenta falta de professor

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No ano em que completa seis décadas, o curso de graduação em japonês da Universidade de São Paulo enfrenta uma grave crise com a falta de professores e, no segundo semestre, deverá ter de fechar a turma do período noturno.

A situação, vivenciada também, em menor ou maior grau de gravidade por outros cursos da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) e de outras unidades da USP, é reflexo de um período em que a universidade, em razão de restrições orçamentárias, não pôde repor professores que se aposentaram ou morreram.

Além disso, em 2022 a reitoria definiu que metade das vagas dos aposentados não seriam mais repostas nas unidades desses docentes. Em vez disso, elas passaram a ser distribuídas para toda a universidade, com o objetivo de criar novos cursos.

“Em 2011, tínhamos nove professores. Com a aposentadoria e o falecimento nos últimos anos, hoje são quatro”, diz Wataru Kikuchi, diretor do Centro de Estudos Japoneses da USP.

Além deles, há ainda uma quinta docente temporária, que não tem vínculo e recebe pelas aulas só ao final de cada semestre, como palestrante.

“Ver o curso nessa situação mexe comigo”, diz, emocionado, o aluno Marcus Wada, 22, filho de mãe brasileira, de pai americano e neto de um sobrevivente da bomba de Hiroshima.

Apesar dos problemas, o curso de japonês segue sendo procurado pelos estudantes –segundo a coordenação, 90% dos alunos ingressantes nos últimos anos são brasileiros sem nenhuma ascendência japonesa.

O que motiva inicialmente esses jovens a optar pelo japonês na Faculdade de Letras é o fascínio pela cultura pop do Japão, principalmente por mangás (quadrinhos) e animes (animações).

Fã de animes desde adolescente, Monique Mosso, 22, vai se formar neste ano em japonês. De família de ascendência italiana, ela optou pelo japonês sem falar uma única palavra da língua.

Hoje fluente, teve até dificuldades, em alguns momentos da entrevista à Folha, para lembrar como se dizia, em português, palavras em japonês que lhe vinham à cabeça automaticamente. “Entrei pelo interesse em animes, mas me apaixonei pela língua e pela cultura japonesas”, conta ela.

A crise faz com que muitas disciplinas deixem de ser ministradas e, mesmo para seguir com o mínimo do currículo, é preciso contar com a boa vontade dos professores, que dobram a carga horária com o mesmo salário e, quando doentes, evitam faltar ou tirar licença.

A escassez dá espaço a acusações de que a cultura oriental é desvalorizada pela própria universidade e sofre preconceito. “Os amarelos são invisibilizados”, diz a professora Leiko Morales.

A disputa pelas vagas de docentes gera tensão entre os próprios departamentos da FFLCH –que incluem outros departamentos que oferecem graduações como história, geografia, filosofia e ciências sociais.

“O orçamento da universidade é restrito, e o gasto com aposentadoria aumentou muito”, diz Paulo Martins, diretor da FFLCH. “Letras está com problemas graves, assim como outros departamentos”, afirma. “Em história, por exemplo, a situação é caótica também, o número de professores caiu de 70 para menos de 40.”

Ana Paula Megiani, vice-diretora e integrante da Comissão de Cargos Docentes da FFLCH, que decide para quais cursos vão as contratações autorizadas pela reitoria, explica o déficit. “Com o congelamento de vagas até 2022, nossa demanda era por 75 docentes”, diz. “Conseguimos 58, e a distribuição foi definida pela comissão, que tem representantes de todos os departamentos.”

Segundo ela e o diretor da FFLCH, não houve demanda para o curso de japonês. Mamede Jarouche, que era o representante do Departamento de Letras Orientais na comissão, afirmou à Folha que encaminhou, sim, o pedido do japonês.

A tensão em meio à escassez se agrava com o fato de as vagas liberadas terem sido divididas entre 2022 e 2025. De acordo com a reitoria, a distribuição foi feita para que “as unidades pudessem se planejar e buscar talentos, evitando um número elevado de concursos em curto espaço de tempo”.

“As unidades puderam solicitar a antecipação das vagas, e 100% dos pedidos foram atendidos”, afirmou a assessoria.

Foram concedidas, no total, 876 vagas até 2025, o que, segundo a reitoria, fará com que seja reposto o número de docentes que havia na USP em 2014, quando as contratações foram suspensas. Atualmente, a universidade conta com 5.336 docentes na ativa e 3.349 aposentados. A cada ano, ingressam cerca de 11 mil alunos.

Sobre a decisão de que 50% das vagas dos aposentados nas unidades sejam distribuídas por toda a universidade, por meio de concursos, a reitoria afirmou que “é necessário que haja mobilidade na reposição”.

“As unidades em fase de implantação precisam ter a perspectiva de receber novos docentes. Surgiram novas áreas, como inteligência artificial, impacto das redes sociais, identidades de gênero e transição energética, e a mobilidade na reposição dos docentes permite que essas pesquisas possam se desenvolver.”

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