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Feira Aquilombar reúne arte de quilombos de 24 estados em Brasília

Maria Aparecida Ribeiro de Souza, a Cida, como prefere ser chamada, é artesã de capim dourado, uma arte que segue os ritos de sua comunidade quilombola. A confecção é feita em grupos — como uma sessão de conversa entre amigos — e o produto é obtido a partir de um recurso natural. O valor único de cada item produzido chama a atenção no Brasil e no exterior — a comunidade do Quilombo do Prata, no Jalapão (TO), exporta para a França luminárias de capim dourado, dando visibilidade a seu artesanato. A arte de Cida estará presente na 2ª edição da feira Aquilombar, que deve reunir 5 mil quilombolas de 24 estados nesta quinta-feira (16), na Funarte, em Brasília.

— Eu falo que a gente está vendendo história — diz Cida, que faz parte da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), responsável pelo evento.— Quando a gente vende uma peça de capim dourado, não está vendendo uma peça qualquer, está vendendo uma história, uma essência, uma identidade.

Fora dos quilombos

Parte da juventude quilombola, no entanto, precisa deixar suas comunidades para seguir o sonho de trabalhar com arte. De acordo com os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem 1,3 milhão de quilombolas. Mesmo que essas comunidades sejam unidas, o acesso a educação de qualidade ainda é difícil.

Alex Matheus, de 24 anos, é um exemplo dessa evasão. O jovem foi criado no Quilombo do Rampo, na zona rural de Camamu (BA). Em uma família de agricultores, aprendeu a tratar a terra desde cedo. Para realizar o sonho de ser artista, se mudou para o Rio de Janeiro, mas sem deixar suas origens para trás.

— A minha vida sempre foi isso (desenho) e a agricultura — conta Matheus. — Lá na minha comunidade, por toda a região, tem muitas pequenas estufinhas de secar cacau, ele é secado manualmente. Coloca lenha e tal. E eu coletava o carvão vegetal ali das estufas e desenhava. Ah, eu desenhava cacau, desenhava animais. Todas as coisas que eu via ali do meu cotidiano.

Com desenhos de personalidades ancestrais que formaram o seu quilombo, ele ganhou o Prêmio Palmares de Arte ainda no Ensino Médio. Para criar a obra, contou com a ajuda das lideranças da comunidade, já que grande parte da história é repassada de forma oral, e não escrita. Logo depois, ele foi estudar na faculdade de Belas Artes da UFRJ, onde segue desenhando as paisagens que o formaram, e ganhou uma bolsa de estudos com David Cury, que ministra um dos cursos de arte mais disputados no Rio, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.

— Eu costumo desenhar de memória — diz ele. — Assim como a memória vai se modificando ao longo do tempo, a gente vai acrescentando mais coisas, eu acho que a pintura também é isso. Eu trabalho muito com os verdes. Toda aquela região da Baía de Camamu é uma área muito vibrante, sabe? Os verdes são muito cintilantes. Eu trago muito desses verdes na minha pintura e vou desdobrando as cores ali na paleta.

Entre os temas de suas pinturas o maior destaque fica para o cacau, e ele faz questão de falar sobre a importância do fruto para a comunidade.

— A gente planta mandioca, guaraná, mas sobretudo o cacau. O cacau é muito marcante da cultura, sabe? As pessoas acordam e olham para o céu, se está chovendo, falam: “ah, hoje vai ter uma chuva boa pro cacau”, “hoje eu vou adubar o cacau”, “Hoje eu vou molhar o cacau”. Tudo é o cacau. O cacau é a vida das pessoas. Elas vivem e respiram isso.

Em busca de pertencimento

Mesmo que sejam frutos diferentes, a importância do cultivo também é retratado por Pérola Santos. A comunidade de sua família, o Quilombo do Ivaporonduva, fica no município de Eldorado, em São Paulo, mas hoje ela também mora no Rio.

— A minha cidade é a cidade da banana. Comecei pintando banana porque, para onde eu olhava, tinha banana. Eu pintava porque era o que eu via. Eu via o Rio Ribeira também, onde nasce tudo, nasce a comunidade.

Pérola é filha de quilombola, mas não foi criada na comunidade. Ela passou a criar laços enquanto crescia, e hoje se esforça para não perder esse contato com familiares e com a cultura local.

— Minha família é quilombola. Minha avó, meu pai, minha prima, meus primos. Só que eu não sou quilombola, porque eu não nasci lá. E eu tenho receio de quando meu pai falecer, porque isso vai acontecer, se perder o vínculo com o quilombo e meus filhos não terem vínculo com o quilombo — diz Pérola. — Para mim, é algo óbvio. Eu sei o que é um Quilombo, porque várias vezes fui lá.

Daí vem a inspiração dela de pintar as rotinas do quilombo, para transmitir essa herança cultural. Como na tela “Transmissão do saber”, vista na capa.

— Ali os homens estão ensinando a fazer uma armadilha, passando para uma criança. (Como) você entrar em harmonia com a natureza. Você não precisa estar em guerra, correr para trabalhar todo dia e dizer que precisa pagar aluguel. Não, caramba! — contou.

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