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Vitrine rica do país, Goiânia vive boom do consumo de luxo, com rooftop badalado e fila para Porsche

O ano era 2011. João Neto, da dupla com Frederico, levou Fernando e Sorocaba para jantar após um show em Goiânia. O resultado não foi o esperado e surpreendeu um grupo de fãs que, sem a conta bancária dos sertanejos, também foi matar a fome no local no início da madrugada.

— Rodei a cidade inteira e não achei um lugar. Fomos parar em uma rede de fast-food 24 horas. Ninguém entendeu nada. Hoje não tem mais isso — lembra João Neto, no escritório da WorkShow, que gerencia a carreira de artistas e já teve no portfólio o fenômeno Marília Mendonça.

Goiânia cresce em luxo com carros importados, alta gastronomia e música sertaneja

De lá para cá, tudo mudou. Impulsionada pelo agronegócio e pelo sucesso de sua música, além de contar com indústria automobilística e um polo farmacêutico nos arredores, a capital de Goiás, no centro do país, cresceu muito. O barulho de construção quase constante explica em parte os números gigantes revelados pelo Censo. Goiânia chegou a 1,4 milhão de moradores, um crescimento populacional de 10,4% em pouco mais de uma década. Além dos olhares do país, a cidade atrai novos moradores e investidores atrás dos sinais explícitos do vigor econômico: o PIB do estado subiu 6,6% em 2022, acima da média nacional, de 2,9%.

Goiânia ganhou estatura urbana com edifícios de 52 andares — o mais alto. Nesse prédio, há um apartamento de 482 metros quadrados em cada piso. Condomínios de alto padrão e casas suntuosas viraram lugar comum. Algumas celebridades arrastam seguidores não só por seus conteúdos mas também por abrir a porta de suas mansões para a curiosidade alheia, como o cantor Gusttavo Lima e a influenciadora Virgínia Fonseca. Goiânia virou vitrine rica e parece gostar de ser vista.

O que se observa hoje contrasta com a história de mais de uma década da dupla Fernando e Sorocaba tendo de matar a fome com hambúrgueres no fim da noite. A nova versão é de uma cidade com rooftops badalados, que tem fila para compra de Porsches, toda a sorte de marca de luxo e até atendimento premium em hospitais de ponta.

Como se estivesse suspenso no ar, o restaurante de Ian Baiocchi, chef premiado com passagens pelo D.O.M, de Alex Atala, e Maní, de Daniel Redondo e Helena Rizzo, atrai clientes até de fora do estado para comer e assistir do alto de 190 metros a uma das paisagens mais bonitas da região. De lá, fazem selfies com Goiânia ao fundo. O Gra é uma das quatro casas que ele comanda voltados para o mercado de luxo. E Ian fala em expansão:

— O goiano começou a viajar mais, o que modificou a cultura e hábitos de consumo.

“Miami sem praia”

Não tem exemplo melhor disso do que a fila por um Porsche, cujo preço pode ultrapassar R$ 1 milhão. Para adquirir a máquina, é preciso esperar até um ano. Parte dos compradores é de empresários do agronegócio, que fazem de Goiânia paraíso pessoal. Dados da Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa) mostram que o emplacamento de carros de luxo cresceu 29% na cidade no primeiro semestre de 2023. Goiânia já é a sexta do ranking desse mercado no país.

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O trânsito piorou, mas ainda está longe dos engarrafamentos de Rio e São Paulo. Os goianos, por enquanto, estão com as benesses do crescimento.

—Goiânia foi uma surpresa. Quando abrimos, há cinco anos, tínhamos expectativa de vender dez carros Porsche por mês. Nossa média de venda é de 23 — conta Aldo Biasetton, diretor da Eurobike.

Andando pelas ruas, uma atração é o Shopping Flamboyant, que mobiliza por mês cerca de 1,2 milhão de visitantes. Eles vão passear pelos corredores, onde podem apreciar no terceiro andar uma profusão de lojas de luxo, como Louis Vuitton, Dolce & Gabbana, Gucci e Bulgari.

Superintendente comercial do shopping, João Ricardo Ladeia diz que as vendas no segmento cresceram 60% até maio, em relação ao mesmo período de 2022. Por lá, os comentários são de que a Louis Vuitton aberta em 2017 como experiência temporária de Natal ostenta um dos maiores números da marca no mundo. A matriz francesa não revela informações, mas se diz muito feliz com a performance.

Prefeito de Goiânia, Rogério Cruz fala da pujança sem moderar a empolgação:

— Quando você sai, é quase… Não vou dizer Miami Beach, porque não tem praia, mas são muitos carros importados e famílias com uma condição bem vantajosa — diz ele, que foca na meta de reduzir o ISS para empresas de aviação de 5% para 2%, na tentativa de levar a cidade para o topo do ramo de manutenção aérea.

Enquanto isso, o estilo de vida dá aquele empurrãozinho. Um fenômeno são as festas de 15 anos. Em 2021, Liam Payne, ex-integrante do One Direction, se apresentou na comemoração da filha de um casal de empresários. Os gastos com esses eventos batem R$ 2 milhões.. A concorrência entre os pais turbina o setor.

— Goiânia tem 1,5 milhão de habitantes, mas todo mundo se conhece. Tem muito dessa mentalidade, o que é ótimo: “Fulano fez aquela festa, então quero a minha melhor” — comemora a decoradora Tana Lobo, sócia da Vero Festas.

Os endinheirados têm à disposição, desde 2021, uma unidade do Hospital Albert Einstein, a primeira fora de São Paulo e que tem 20% dos pacientes do Norte e Nordeste. No campo da saúde, há a febre dos procedimentos estéticos. O casal de dentistas Amanda Ponce e Pablo Moreira está de mudança para uma clínica de 2 mil m² com adega de vinhos. O fluxo aumentou em dez vezes após a pandemia.

—O que oferecer a quem já tem tudo? Queremos entregar mais qualidade, mas não é ostentação — garante Ponce, que oferece procedimentos que chegam a R$ 150 mil.