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‘Frankenstein x Drácula’: Indecisos enfrentam ‘escolha de Sofia’ entre Milei e Massa em eleição na Argentina

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O percentual oscila de 5% a até quase 18%, de acordo com pesquisas, mas a tendência é confirmada por analistas e estrategistas de campanhas eleitorais: na disputa acirrada pela Presidência, está nas mãos dos eleitores indecisos o futuro político da Argentina. No próximo domingo, o país vai às urnas para decidir se o peronista Sergio Massa ou o direitista radical Javier Milei ocuparão a Casa Rosada pelos próximos quatro anos num pleito que, dizem analistas ouvidos pelo GLOBO, tem no momento um final aberto.

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No primeiro turno, em 22 de outubro, o ministro da Economia ficou em primeiro, com 36,78% dos votos, superando o rival de A Liberdade Avança, que obteve 29,99%. Ficaram de fora do segundo turno a ex-ministra Patricia Bullrich, da Juntos pela Mudança, com 23,81%, e o governador de Córdoba, o peronista Juan Schiaretti, com 6,83%. Para vencer, Massa e Milei precisam crescer e, no caso do candidato da direita, os votos de Bullrich são cruciais.

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A equação não é tão simples como parece. Milei e Massa fizeram alianças, traçaram planos de voo, mas um amplo setor do eleitorado argentino segue indeciso e enfrenta, nas palavras do estrategista eleitoral brasileiro Renato Pereira, “uma escolha de Sofia”.

— Entre 35% e 40% dos eleitores não se identificam com Massa ou Milei. Para os indecisos, não se trata de escolher entre continuidade e mudança, como simplificam os candidatos. Votar em Massa é seguir em uma situação muito difícil, e Milei é o desconhecido — diz Pereira.

Migração de votos

O vendedor de produtos para mascotes, Mariano Avondet, de 35 anos, é um claro exemplo de quem se sente num beco sem saída. Sua família é peronista, mas ele jamais votaria em Massa, “pois nunca sabemos o que ele está pensando, muda de aliados e de planos a toda hora”. Milei, por outro lado, “me dá pânico”.

— Massa é o desastre que já vivemos, Milei o extremista que assusta. Votei nele nas primárias para enfraquecer o peronismo, depois em Bullrich no primeiro turno. Agora acho que acabarei votando em branco — contou o vendedor.

Muitos eleitores, como Avondet, mudaram seu voto entre as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) de agosto, quando foram escolhidos os candidatos, e o primeiro turno. Fenômeno de migração de votos, afirma Ana Iparraguirre, da GBAO Strategies, que torna ainda mais difícil antecipar o resultado do próximo domingo.

— Cerca de 40% dos eleitores mudaram seu voto entre as Paso e o primeiro turno, e nos últimos dias da campanha. Esperamos o mesmo agora, a eleição está com final aberto — acrescenta Iparraguirre.

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Segundo a analista, “um em cada dez eleitores de Bullrich estão indecisos ou pretendem votar em branco”.

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Mas os indecisos não são apenas os eleitores da ex-ministra, que selou aliança com Milei após a confirmação de que estaria fora do segundo turno. Peronistas com fortes ressalvas ao kirchnerismo — facção hoje liderada pela vice-presidente Cristina Kirchner — também se dizem diante de um dilema. O taxista Daniel Monforte, de 57 anos, votou em Massa nas primárias e no primeiro turno, mas, com o aprofundamento da crise econômica, agora está em dúvida.

— Massa é a opção conhecida, mas ruim. Tenho dois filhos que já foram embora do país, e eu mesmo tenho pensado nisso — conta o taxista.

E a aliança entre peronistas e kirchneristas União pela Pátria, diz, sofre com a proeminência do kirchnerismo:

— Se Massa for eleito, quem terminará mandando será a Cristina. Sou peronista, mas antikirchnerista — explica Monforte.

Decisão difícil

Em conversas informais, portenhos têm dito que escolher entre Massa e Milei é um pouco como decidir entre o Frankenstein (Milei) e o Drácula (Massa). Outra comparação é a de que escolher entre eles é como ter de fazer uma opção entre dois ex-namorados.

— Massa é o kirchnerismo, e sabemos bem como isso termina. Milei se aliou com [Mauricio] Macri (presidente entre 2015 e 2019), outro fracassado. É muito difícil decidir — diz Avondet.

As mais recentes eleições presidenciais na América Latina, inclusive no Brasil, tiveram segundos turnos acirrados com resultados apertados. Mas só na Argentina, afirma Pereira, os eleitores encararam escolha tão “complexa”.

— Por um lado, os argentinos vivem uma situação insuportável no dia a dia. Por outro, Milei é aterrorizante. São, na verdade, duas opções aterrorizantes — aponta o estrategista brasileiro, que já trabalhou em campanhas na Argentina.

Medição de forças

A primeira — e talvez mais importante — aliança eleitoral para o segundo turno da eleição presidencial argentina foi a estabelecida por Milei com Macri e Bullrich. Os três se encontraram na residência de Macri, dias após o primeiro turno, e selaram um pacto eleitoral. Milei chegou acompanhado apenas da irmã, Karina, seu braço-direito, e pediu desculpas pelos ataques e denúncias que fez contra Bullrich na primeira fase da campanha. Sem os votos da candidata derrotada, o líder do A Liberdade Avança não teria como vencer Massa.

Se o apoio de Bullrich foi claro e contundente, muitos de seus eleitores seguem com enormes dúvidas sobre os planos e propostas do candidato da direita radical. Milei buscou mais alianças, mas as tentativas não prosperaram. Na expectativa de ficar com parte dos quase 7% de votos obtidos pelo peronista Juan Schiaretti no primeiro turno, o candidato agora apoiado por Macri — de cujo governo foi, aliás, um duro crítico — encerrará sua campanha na província de Córdoba, um dos principais distritos eleitorais do país. Córdoba é tradicionalmente antiperonista e, sobretudo, antikirchnerista. Schiaretti governa a província.

Já Sergio Massa busca a máxima coesão no mundo peronista, mas, ao mesmo tempo, é protagonista único de sua candidatura. A vice-presidente Cristina Kirchner o apoia, mas praticamente não participa da campanha. E o presidente Alberto Fernández, com cerca de 80% de rejeição, raramente é visto. Massa pediu que os sindicatos — base peronista — evitassem participar de atos públicos e comícios.

Ele trabalha com sua equipe de assessores locais e estrangeiros, entre eles mais de 20 brasileiros. O ministro está percorrendo várias províncias e buscando adesões de dirigentes locais bem avaliados. Sua principal vantagem sobre Milei é que o peronismo levou a província de Buenos Aires com a reeleição de Axel Kicillof. E lá vive um terço do eleitorado. A máquina peronista está funcionando a todo vapor na principal província para impulsionar Massa na reta final.

Final em aberto

A maioria das pesquisas mostra resultados indefinidos, dentro da margem de erro, especialmente se considerados os números de indecisos.

Depois da crise de desabastecimento de gasolina, no final de outubro, Milei subiu e Massa, o governista, naturalmente, perdeu fôlego. Em muitas consultas, o candidato da direita radical aparece na frente, mas com uma vantagem que não supera quatro ou cinco pontos percentuais. Com tantos indecisos, e a probabilidade de que eles façam uma opção até mesmo no dia da eleição, é impossível prever o resultado do próximo domingo.

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